Críticos do STF apontam para suas inconsistências, divisões e instabilidade. Quando o tribunal voltará ao “normal”? Corte dividida não é problema e pode ser solução. Este é o padrão em países como os EUA desde a 2a. Guerra. A tendência é que a divisão se acentue por que com a adoção da Repercussão Geral no STF a pauta conterá mais “casos difíceis”.
Inconsistência é sim problema. Ela pode manifestar-se no plano individual ou do colegiado. No individual, a volatilidade de votos pode resultar de causas variadas, idiossincráticas, de juízes. Mas a inconsistência de votações no colegiado “é inevitável não importa quanto os juízes possam desconsiderar suas próprias preferências, ou quão cuidadosos sejam ao lidar com suas tarefas ou quão capacitados sejam”. A afirmação é de Frank Easterbrook (Universidade de Chicago), com base na análise de Kenneth Arrow, Nobel de economia de 1972.
A inconsistência (“intransitividade”, no jargão) existe em todo processo de votação com mais de três membros se a escolha envolver três opções. Há decisões que são do tipo “sim ou não” —mas todas as que invocam “princípios” jurídicos admitem modulação.
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A conclusão do autor é que “exigências de consistência perfeita não podem ser satisfeitas, e é um equívoco condenar o desempenho da Suprema Corte como instituição simplesmente apontando que muitas vezes, e mesmo frequentemente, ela se contradiz”.
Como decide o STF à luz da teoria das decisões coletivas? Adota-se regra de unanimidade (ao invés de maioria) na qual os ministros detêm de poder de veto individual e apenas decisões consensuais são aprovadas? Não!
Se um ministro for contra uma proposta ele pode pedir vista, impedindo sua apreciação caso anteveja uma maioria contra a mesma. E vice-versa se for a favor. A existência de duas arenas decisórias —as duas turmas e o plenário potencializa o ativismo processual e a maioria “fabricada”.
Instabilidade (não inconsistência) é o principal problema. Há uma regra no STF que a exacerba: a presidência tem poder de agenda e é rotativa entre os juízes que tem mandato curto de 2 anos à frente da corte. (Nos EUA, o Chief Justice é nomeado pelo presidente dos EUA e o cargo é vitalício —John Marshall ficou 34 anos na presidência da Corte).
A delegação de poder de agenda aos juízes foi ditada, no passado, por questões de eficiência. Inconsistências sempre existiram e só agora adquirem visibilidade porque o que está em jogo mudou radicalmente em termos de conflitualidade.
Só quando a agenda voltar ao normal, o STF conhecido retornará. Com os antigos vícios e as novas virtudes adquiridas na luta contra a impunidade.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 23/04/2018