O mais complexo organismo vivo de que participa a humanidade – com exceção da biosfera – é a engrenagem da economia global. são mais de 7 bilhões de seres humanos conectados numa formidável rede de produção e distribuição de bens e serviços, funcionando ininterruptamente 24 horas por dia, sete dias por semana. trata-se da mais sofisticada estrutura social jamais construída. ninguém a concebeu, ninguém a comanda, todos se adaptam.
A incapacidade de enquadrar a economia no determinismo e reducionismo das ciências físicas clássicas pode ser atribuída exatamente à complexidade dos sistemas vivos. A exemplo da química e da biologia, em economia “resulta uma imprevisibilidade sistêmica, em que o todo é diferente da soma das partes”, nas palavras de Ernst Mayr, um dos maiores biólogos do século XX. “Há características inesperadas em sistemas complexos, pois os compostos têm propriedades não evidentes em seus componentes. sistemas vivos, complexos e abertos – dotados de mecanismos como reprodução, metabolismo, replicação, autorregulação, adaptação, auto-organização e crescimento –, exibem propriedades emergentes em nível superior de integração que não existiam em seus componentes isolados”, escreve Mayr em sua obra “Biologia, ciência única: reflexões sobre a autonomia de uma disciplina científica” (2004).
É nesse sentido que a mídia estampa diariamente a agonia de um gigantesco e flexível organismo vivo: a economia mundial. O problema das economias avançadas é mais sério. A Europa, prisioneira da jaula do euro, permanece em contração, pois a social-democracia quebrou seus governos nacionais. Os Estados Unidos experimentam o esvaziamento de uma frágil recuperação econômica, pois os financistas quebraram seus bancos. E as economias emergentes enfrentam forte desaceleração econômica, disparando novamente políticas contracíclicas em busca do crescimento perdido.
É sobre esse pano de fundo que devemos examinar as possibilidades de crescimento da economia brasileira. A maior parte dos analistas examina superficialmente a questão. Limitam-se à análise das políticas contracíclicas acionadas pelo governo. Com a queda dos juros e a alta do dólar, foi encomendada uma reaceleração econômica para este segundo semestre e ummaior ritmo de crescimento no ano de 2013. São remédios convencionais para estimular a economia, limitados ao maior uso de uma capacidade produtiva já instalada.
Num nível de análise menos superficial, há possibilidades de crescimento a curto prazo ainda inexploradas. É possível aumentar a eficiência e ampliar a capacidade produtiva com base praticamente sobre a mesma disponibilidade de recursos tangíveis. Esse fenômeno se deve a um fato: por ineficiência e má alocação de recursos, o país se encontra bem abaixo de sua fronteira de possibilidade de produção. Trata-se de uma simples remoção de obstáculos ao uso mais eficiente dos recursos disponíveis.
Como afirma Edward Prescott, Prêmio Nobel de economia de 2004, em seu livro “Obstáculos ao enriquecimento” (2000), esses obstáculos “resultam essencialmente de erros específicos de política econômica, restringindo as práticas de negócios, a criação de em pregos e o uso eficiente de recursos produtivos pelas empresas. Verdadeiras barreiras ao enriquecimento, (eles) derrubam a produtividade dos recursos, a produção e a renda do país”.
O excesso de regulamentação ou a regulamentação inadequada, a burocracia e o intervencionismo ineficazes, as pressões oportunistas de grupos de interesse são resultado de uma improvável mas concreta aliança entre a “esquerda” e os “conservadores”.
É esse o principal obstáculo à modernização. Mas há uma boa notícia: quanto mais retrógrados os aliados e maiores os impedimentos institucionais hoje existentes, maior o potencial econômico de quem ousar destravar tais obstáculos.
“Uma condição necessária para um país experimentar um milagre econômico, um desenvolvimento acelerado a curto prazo, é que não esteja se utilizando plenamente do colossal estoque de conhecimento disponível, exatamente pela existência dessas barreiras políticas e institucionais ao uso eficiente dos recursos. E tão mais formidável será o milagre quanto mais impeditivas forem as barreiras e por quanto mais tempo tenham prevalecido”, diz Prescott. Esse milagre possível para destravar os obstáculos ao crescimento exige o que essa estéril aliança entre uma “esquerda” obsoleta e uma “direita” conservadora nunca pôde oferecer: o choque de produtividade das reformas e o enfrentamento dos grupos de interesse.
Num terceiro e mais profundo nível de análise das alternativas de crescimento da economia brasileira, teríamos de examinar se dispomos de uma dinâmica de acumulação de recursos produtivos de modo a sustentar um contínuo deslocamento da fronteira de possibilidade de produção. Máquinas e equipamentos. Infraestrutura e instalações industriais. Recursos tecnológicos. Qualidade da força de trabalho por meio de educação e treinamento Capital organizacional das empresas, capital institucional do país e seus recursos naturais. A acumulação contínua desses recursos garantiria uma dinâmica de crescimento sustentável.
Políticas contracíclicas temos usado bastante. O desafio é um rápido crescimento da produção pela superposição de duas outras ondas: a marcha milagrosa rumo ao uso mais eficiente dos recursos disponíveis, simultaneamente à clássica dinâmica de acumulação de recursos. O crescimento, mais poderoso que a transitória e rasteira prática das políticas contracíclicas, deve ser buscado em dose dupla, como na Europa do pós-guerra, no Japão e nos Tigres Asiáticos há três décadas e agora, espetacularmente, na China.
Criamos à base do crédito popular um extraordinário mercado de consumo de massas, que deverá se estabilizar em torno de 220 milhões de pessoas em pouco mais de uma década. O grande desafio é tornar o Brasil um verdadeiro mercado de produção em massa, com investimentos maciços em educação e treinamento, ampliando capacitações e habilitações do trabalhador brasileiro para sustentar nosso aumento de produtividade. Pois o capitalismo eurasiano, sem encargos trabalhistas e previdenciários, pode nos reduzir a um mercado de importações em massa.
Fonte: revista Época
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