Leio um livro que você, caro leitor, nunca lerá: “El Magnífico — 20 Ans au Service Secret de Castro” (Éditions Hugo et Compagnie, Paris, 2005). O autor é Juan Vivés, casado com uma francesa, e que vive em Marselha, desde 1979, ano em que fugiu de Cuba para não ser morto. Tive notícia deste livro por um amigo de Portugal e tentei comprá-lo em duas livrarias francesas onde o encontrei. As duas responderam que não podiam enviá-lo para o Brasil, sem maiores explicações. O gramcismo anda assim tão poderoso por aqui, a ponto de exercer essa censura toda (que, aliás, já conhecemos) e fazê-la chegar aos “companheiros” franceses? Mistério. O fato é que só consegui comprá-lo em um sebo francês.
O autor é um cubano oriundo da alta aristocracia espanhola, que se juntou à rebeldia de Fidel Castro, desempenhou algumas ações revolucionárias de repercussão (que lhe valeram, ainda durante a guerrilha, o cognome de El Magnífico, que é o título do livro), e serviu sob as ordens de Che Guevara. É um livro repetitivo em alguns aspectos: fala, com conhecimento — o autor foi testemunha — das atrocidades de Che Guevara, de sua incompetência administrativa e de como era inimigo de um bom banho. De como Fidel sempre foi uma figura performática, capaz de tirar proveito público de qualquer situação, em Cuba e no exterior. Mas traz notícias novas e fatos interessantes, a partir de como Vivés, apolítico, resolveu combater o ditador Batista e se aliar a Fidel Castro. O motivador foi, diz ele, Benvenutto Cellini (1500-1571), o célebre escultor italiano.
A família de Vivés tinha algumas obras de arte raras, trazidas da Europa, entre elas um Cristo de marfim, belíssimo, esculpido por Cellini. A mulher de Batista tentou forçar a compra da escultura, o que ofendeu o pai de Vivés, e acabou por criar uma inimizade que terminou em retaliação por parte do ditador. Entre as revelações do livro a de que o regime de Fulgencio Batista estava se decompondo quando o Granma desembarcou Fidel e seus guerrilheiros em Cuba. Isto fez com que os revolucionários conquistassem os quartéis do Exército praticamente sem combate. Os soldados, como praticamente toda a população cubana, ansiavam por mudanças. Não suportavam mais a corrupção (que desviava seus suprimentos), e os baixos soldos, enquanto os membros do governo roubavam e faziam fortuna. Não houve, ao contrário do alarde feito por Fidel, combates de verdade. A revolução foi quase um passeio.
Vivés era sobrinho de Osvaldo Dorticós, presidente cubano indicado por Fidel, que, embora figura decorativa, tinha sua importância. Era também parente de Celia Sanchez, segunda figura do regime comunista da ilha, depois de Fidel. Era, segundo os íntimos do poder, a única pessoa a contrariar Fidel Castro e a discutir com ele, quando discordava. Vitoriosa a revolução, Vivés foi designado para importantes funções, sob disfarce diplomático, todas elas ligadas ao serviço secreto cubano. Delas, o autor esconde mais que mostra, e alega fazê-lo para se resguardar, pois, caso não o fizesse, já teria sido eliminado. O que o salva, diz, são documentos secretíssimos depositados em um banco suíço, e que serão publicados caso seja assassinado.
Entre as mais interessantes passagens dessa biografia está a de que o autor foi encarregado, em Cuba, de instruir padres da Teologia da Libertação para trabalharem pelo regime castrista, e passar segredos, obtidos por confissão de fiéis importantes, para os dossiês da inteligência cubana. Como os padres brasileiros desse grupo não saíam de Cuba, é bem provável que fossem dos mais entusiasmados fornecedores de informações para os homens de Vivés. Os figurões que se confessaram com Leonardo Boff e Frei Betto devem pôr as barbas de molho.
Outro episódio estranho contado no livro é o de soldados e pilotos americanos aprisionados na guerra do Vietnã terem sido drogados e levados para Cuba onde foram interrogados e provavelmente mortos, sem que ninguém soubesse nos EUA. Vivés conta que ele próprio, que falava inglês correntemente, traduziu depoimentos desses pobres coitados. Também a homossexualidade de Raúl Castro é abordada no livro.
Outra revelação importante é sobre a morte do chileno Salvador Allende, em 1973. Como se sabe, todo o corpo de guarda-costas de Allende era constituído de cubanos experimentados. Os principais eram os gêmeos Patricio e Tony de La Guardia. Com a derrubada e morte de Allende, esses cubanos retornaram a Cuba e foram tratados como heróis por Fidel. Vivés não compreendia como tinham saído com vida do Palácio de La Moneda, até que Patrício, num encontro no bar do hotel Habana Libre, já alto, contou-lhe que, por ordem de Fidel, executara Allende que queria se asilar na embaixada sueca. Fidel queria criar (conseguiu) um mito de Allende resistindo até a morte. Morto Allende, os cubanos conseguiram abandonar o palácio antes do assalto final de Pinochet. Aliás, Pinochet só chefiou o exército chileno por indicação de Fidel, que o julgava com tendências comunistas. Vivés havia sido seu cicerone e interlocutor quando visitou Cuba.
Fonte: Irapuan Costa Junior, “Jornal Opção”
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