Não faz uma semana que as eleições foram finalmente decididas (como já o estavam desde o primeiro semestre), mas já podemos notar quem foi que ganhou o bingo, quem foi pra cadeia e quem entrou de bicão na festa da democracia. Como o nível foi baixíssimo, ao menos nos abstemos de comentar o Correio Elegante, que inexistiu de todo.
Vencedores:
Candidato
Os campeoníssimos pesos-pesados dessas eleições, sem dúvida alguma, foram Marina Silva e Aécio Neves.A primeira por quase chegar ao segundo turno pelo PV (faltou apenas tempo), mostrando a força da internet, mas, sobretudo, que a hegemonia do poder dividido entre PT e PSDB está em risco. Os “nanicos” só precisam de um candidato forte, que faça oposição de verdade e mostre que não precisamos viver reféns eternamente de dois partidos cada vez menos distinguíveis a olho nu.
Aécio, por outro lado, ganhou por mostrar que, goste-se ou não, como qualquer pessoa sensata já sabia há uma década, sem FHC, o PSDB não é nada sem ele. Aécio, é claro, quer o PSDB inteiro pra si: e provou, para quem tiver olhos para ver, que está certo em seu desejo.
Impostos
Com medo da esquerda, que sempre pode dizer que tem um Estado mais atuante (como se isso vantagem fosse), mesmo a tal “direita” tucana esquivou-se o quanto pode em prometer redução de impostos. Em discurso em Curitiba, Lula acusou a oposição de acabar com a CPMF, e foi ovacionado. Desconhece-se muitos outros países em que reduzir um imposto faça um candidato perder votos…
O governante, então, recebeu o recado: não é preciso ser um bom administrador, poupador e cuidar bem do dinheiro da população. Em caso de ingerência, basta pegar mais dinheiro (imposto não tem esse nome porque tiraram no palitinho, afinal).
É muito fácil governar um país aumentando impostos. Que chimpanzé com paralisia infantil não consegue uma coisa dessas? Para quem teve sua cidade virtual destruída por incêndios, greves, fome e Godzilla no Sim City, simplesmente por descobrir que governar é difícil e não há dinheiro pronto pra tudo, é estranho ver o governo aplicando um cheat, uma trapaça desse nível: se o dinheiro da maior carga tributária do planeta está se esgotando, basta pedir para o Congresso liberar ainda mais. E assim se faz um bom governante!
É como dizer: “Tenho como tirar essa empresa do buraco, se todo mundo comprar da gente antes disso.” Mas é como pensa nossa esquerda: “Aumentando suficientemente os impostos, dá pra dar um jatinho pra cada retirante por aí!”
Já que é pra jogar gasolina na fogueira do debate, tenho um único argumento para mostrar que o intervencionismo não funciona e o “bom mocismo robinhoodesco” da esquerda não serve pra nada: quanto dá 1 trilhão em impostos dividido por 190 milhões de brasileiros? Cada mendigo que você conhece tem 5 barões no banco? I rest my case.
Rádio e televisão
Embora a internet e as redes sociais (sobretudo o Twitter) tenham ganhado projeção, já que foi a primeira eleição no Brasil que tomou espaço nas redes, uma coisa ficou clara: os partidos não sabem tirar proveito das novas mídias. Ver o que faz a tal “mobilização virtual” evoca à mente a imagem de um velhinho ouvindo um gramofone enquanto digita num MacBook.
O maior uso que fizeram do Twitter, por exemplo, foi para marcar passeatas, comícios e “adesivaços”. É como usar o Photoshop para fazer fotos ficarem em preto & branco fosco, com baixa resolução. Não aproveitaram o espaço que blogs e redes oferecem, por exemplo, para criar debates. Provar, afinal, que seu candidato é melhor. Refutar, ponto a ponto, acusações. Demonstrar razões para o voto. E atingir aquela massa que já não estava com um candidato pronto desde 1998 para essas eleições. Apenas trocaram o telefone de ações da Telebras pelo Twitter, e se consideram “antenados”.
A única vantagem tangível da mobilização virtual foi a de fazer com que pessoas no trabalho falassem uma coisa ou outra a respeito do seu candidato e mandassem a mensagem para frente. Ganharam as boas frases de efeito em 140 caracteres, que, com o tempo, fizeram a cabeça de uma ou outra pessoa. Uma coisinha rápida, que custou poucos segundos na vida de alguém, foi o chamado “exercício da cidadania”. Contudo, a depender apenas das campanhas oficiais, a tal “mobilização” só serviria para “marcar presença” daqueles já convertidos, que passaram 5 meses com a camiseta do seu partido.
Enquanto a boataria, baixo nível e alto nível de spam dominavam a internet, com discussões inúteis como “liberação do aborto” (que depende é do Congresso, e não do Executivo), qualquer comentariozinho mínimo na televisão ou no rádio faziam milhões de votos oscilarem para cima ou para baixo. Mas muitos gênios do marketing, que poderiam ter se aposentado quando da invenção do telegrama, continuaram ganhando milhões para produzir tantas patetices seguidas.
Por fim, as notícias produzidas nas redes que viravam manchetes eram exatamente as bobageiras dos marqueteiros oficiais – nada vindo do seu trabalho honrando seu michê atingiu mais do que seus seguidores no Twitter. E todas as campanhas juraram não precisar conectar rádio e televisão (aquelas velhas mídias irrefletidas, com milhões de audiência) com perfis de internet, e seu potencial de atingir 5 mil já convertidos.
[Cf. mais detalhes em As reais chances de Serra e seu erro de marketing: http://www.institutomillenium.org.br/artigos/as-reais-chances-de-serra-e-seu-erro-de-marketing/]
Ficha Limpa
Se houve progresso nessa eleição foi a vitória do Ficha Limpa. Se o Brasil reclamava de quão inócuo era o projeto (ao menos ainda um primeiro passo, depois de sabe-se lá quanto tempo), houve uma grita sobre o projeto ser “autoritário”, ou até “flertar com o fascismo”.
A choradeira derivava de o projeto “punir antes de julgar”. É um erro: a lei exige condenação primária por decisão colegiada. Há um vezo brasileiro em acreditar que, enquanto um processo não é decidido pelo STF, nada ainda foi definido pela Justiça. Ora, se houve uma condenação, ainda mais no Congresso, deve-se acatar o que foi decidido, sim. Muitas vezes a segunda instância é o próprio STJ, ou o STE. Apenas em caso de apuração incompleta se deveria recorrer: do contrário, a primeira instância não valeria nada, deixando a Justiça ainda mais tartaruguenta. O STF só discute a própria Constituição: os casos que lá chegam são quase uma “desculpa” para se analisar o texto do legislador.
Mesmo assim, deve-se atentar que o Brasil segue o princípio da presunção de não-culpabilidade, que é diferente da presunção de inocência. Ademais, essa presunção é matéria penal, e não eleitoral. Mas, ainda que o fosse, andam por ai confundindo inelegibilidade, um critério, com pena, uma punição. É como se todos aqueles que não obtêm a nota mínima no Vestibular estivessem sendo “punidos”.
Enquanto isso, exige-se mil critérios, incluindo não ter passagem pela polícia para diversos concursos públicos, e ninguém reclama. O Legislativo continua sendo o concurso público mais bem pago e sem trabalho do Brasil.
Perdedores:
Mário Oliveira
Este foi o nosso primeiro perdedor nessas eleições. Infelizmente, uma perda que não deveríamos sofrer.
A despeito do que se possa pensar do PT do B, seria o primeiro candidato da história do Brasil que corresponde à direita, como ela é entendida por todo o o mundo. O primeiro a defender o liberalismo econômico, a diminuir impostos e a máquina pública, o primeiro a defender princípios que não correspondem a um Estado Fofão ou Sério Mallandro que está pronto a dar prêmios para o eleitor conforme a sua sorte, o primeiro leitor de Thomas Sowell a virar figura pública nacional.
Eleito ou não, poderia ser um novo rosto a falar para a população que existem alternativas. E, seguindo o efeito Marina, em pouco tempo teríamos definitivamente um país melhor.
Debates
A maior certeza dessas eleições é resumida na sentença: candidato ruim é que faz debate bom. Mas tem de ser ruim mesmo, desses de dar calafrio em estátua. Não foi à toa que Plínio de Arruda foi o candidato mais moderno dessas eleições: o único a tornar os debates uma coisa menos arrastada do que tortura chinesa.
Com tempo reduzido para falas, absolutamente nada de confronto direto (houve debates em que Serra e Dilma, as estrelas do evento, não trocaram um oi) e discursos prontos, os debates de idéias foram os maiores perdedores dessas eleições (atrás apenas dos eleitores, é claro).
Um debate pressupõe ouvir o que o outro candidato diz, refutá-lo e apresentar uma idéia melhor. No modelo escolhido, os candidatos apresentam um texto pré-programado, deixam que o outro candidato reclame de algo, que nem sempre tem concatenação com o tema proposto (quantas vezes você ouviu a Dilma dizer: “Mas eu queria voltar no tema das privatizações…”?) e, ignorando-se o que o outro combatente argumentasse, voltasse ao seu discurso pronto inicial.
Para complicar ainda mais, ao fazer a pergunta a um candidato, com réplica e tréplica, deixava-se a palavra final com o oponente. Ninguém perguntava ao seu maior adversário, então. Era quase como escolher um tema para que o outro o destruísse. Escondidos atrás de púlpitos cheios de scripts, o confronto de idéias, o único confronto mais divertido do que briga com cotonetes gigantes, era reduzido a dois monólogos intercalados.
Nada deixou isso mais claro do que o debate com Weslian Roriz no DF. Tão confusa como substituta de corrupto, Weslian faz suas considerações finais agradecendo… a cor do estúdio, a mesma do seu partido.
Não dá saudade das baixarias com Maluf, Marta Suplicy, Jânio Quadros, Mario Covas e Quércia?
Racionalidade
Na era do iPod, fica ainda cada vez mais claro que os candidatos são escolhidos sem reflexão. As campanhas ainda são baseadas em palavras etéreas, abstratas e vagas, como “trabalhador”, apelando ao inconsciente, e não à lógica. Os discursos apelam aos sentidos, ao medo (houve a reginaduartização petista esse ano, apelando contra supostas novas privatizações), ao inimigo-pronto.
Não há menção a um livro, uma idéia, uma proposta. Há apenas números jogados a esmo: “aumentar” isso e aquilo em tantos hospitais, em tantas escolas. Como se a numerologia da política resume-se a quem constrói mais.
A conta, é claro, depende de qual deles é mais, verdadeiramente, “trabalhador”. Mas esse tipo de malabarismo é sempre evitado, já que não se deve presumir que o eleitor tenha lido algo além de Chico Bento na vida.
Privatizações
Os benefícios das privatizações permitem que esse site esteja sendo visto em qualquer lugar do Brasil neste momento. Mas o discurso de idealismo radical das primeiras décadas do século XX ainda é mais forte do que a realidade, da USP até o seu Tinoco esperando um governo que “dê” coisas ao povo.
Infelizmente, quem ganhou as eleições de vez foi a turma da Marilena Chaui: um discurso vale mais do que o que mantém o país uma das economias mais fortes e ascendentes do mundo. Privatização não ganha voto. Dizer que cada mendigo é dono de uma petroleira, mesmo que quem veja a cor do dinheiro seja só o Dirceu, é comemorado por quem o elege.
2010 só precisou ter acontecido depois da queda do Muro de Berlim.
Sou petista e votei na Dilma, nem preciso dizer que não concordo com muitas das suas idéias…
Mas com uma coisa eu concordo: tenho muita saudade do tempo dos debates com a Marta, o Maluf, o Jânio Quadros… dos bate-bocas de verdade: ” A dona Marta do PT…” ” cala boca, Maluf!”, “fi-lo porque qui-lo”…
Eu morria de rir! pelo menos divertido era. Este ano, além de não servirem pra nada, os debates foram chatíssimos.
abraços!