A Eletrobras voltou a registrar um prejuízo bilionário, de R$ 1,6 bilhão no terceiro trimestre , após ensaiar uma recuperação este ano. Mesmo se a estatal fechasse o ano no vermelho, seus funcionários não sentiriam no bolso o mau resultado. Eles recebem, a título de participação nos lucros (PLR), até dois salários extras por ano, ainda que a empresa tenha perdas. O prêmio, alvo de questionamento da Controladoria-Geral da União (CGU), é um dos benefícios que fazem a folha de pagamentos pesar nas contas de uma empresa em dificuldades financeiras, cujo plano de privatização o atual governo não conseguiu tirar do papel. Sem apoio político, o projeto de lei está parado na Câmara desde maio.
O resultado trimestral divulgado na terça-feira foi o primeiro negativo desde o período entre outubro e dezembro de 2017. No ano, a empresa acumula um lucro líquido de R$ 1,27 bilhão, mas o patamar é inferior ao registrado nos primeiros nove meses do ano passado: R$ 2,27 bilhões. Além da privatização de seis distribuidoras de energia deficitárias do Norte e Nordeste, que responderam por quase R$ 1 bilhão das perdas do trimestre (quatro já foram vendidas), o gasto com pessoal tem sido uma das frentes escolhidas pelo presidente da estatal, Wilson Ferreira Júnior, para reequilibrar as contas.
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Segundo a companhia, considerando a venda de distribuidoras e os desligamentos de um programa de demissão voluntária, a estatal já conseguiu reduzir em 32% essa despesa, uma economia de cerca de R$ 1,95 bilhão. Atualmente a empresa ainda gasta R$ 4 bilhões por ano com 872 empregados na controladora e 17,6 mil nas subsidiárias. Parte desse gasto vem de benefícios que muitos trabalhadores não encontram na iniciativa privada.
Um deles é o pagamento de PLR de até dois salários mesmo nos anos em que a companhia tem prejuízo. Em julho, a CGU questionou o pagamento de R$ 75 milhões em PLR aos empregados em 2013 e 2014, quando a estatal teve perdas de R$ 6,2 bilhões e R$ 3 bilhões, respectivamente.
Dados obtidos pelo “Globo” mostram que funcionários da estatal, que cumprem jornada diária de 7,5 horas, têm aumento anual de 1% no salário por mérito e cumprimento de metas. Quem não consegue por dois anos seguidos ganha um reajuste de 1,5% ao fim desse período. Gerentes têm 10% da gratificação pelo cargo incorporados permanentemente ao salário por ano. Cerca de 56% dos funcionários recebem adicional por periculosidade (acréscimo de 30% no salário). O adicional de férias, que na iniciativa privada costuma ser de um terço do salário, é de 75% na Eletrobras.
Especialistas em governança corporativa afirmam que não faz sentido dissociar benefícios e desempenho. Para o advogado especializado em energia, Rodrigo Leite, do Leite Roston Advogados, falta à Eletrobras e a outras estatais um ambiente empresarial que estimule a eficiência.
– A forma como a Eletrobras trata sua política de benefícios está completamente fora da realidade da empresa. Não faz sentido o controlador investir numa estrutura ineficiente – acrescenta Luiz Marcatti, da Mesa Corporate Governance.
Para o consultor Marcos Assi, mesmo que os benefícios estejam previstos em convenções, cabe à direção da Eletrobras impor limites:
– Participação nos lucros só faz sentido quando há, de fato, lucro e contrapartida em performance.
Sérvulo Mendonça, diretor-executivo do grupo Epicus e integrante do Instituto Brasileiro de Compliance, lembra que há uma discussão antiga sobre estatais oferecerem a empregados benefícios melhores que os oferecidos nas empresas privadas. Para Sérvulo, apesar de ser difícil, é possível a estatal reduzir concessões enquanto enfrenta dificuldades financeiras:
– É claro que nesses casos ocorrem muitas discussões sobre jurisprudência, o que é direito adquirido do trabalhador. Mas existe a possibilidade de reduzir os benefícios concedidos pelo RH, não amparados em leis. Pelas regras de compliance, se a empresa corre risco de ter prejuízos, deve ter liberdade para cortar.
ALTOS E BAIXOS
Em dificuldades financeiras, sobretudo na área de distribuição, a Eletrobras tem alterado lucro e prejuízo nos últimos dois anos.
A Eletrobras informou que tem, desde 2010, um Plano de Carreira e Remuneração (PCR) que estabelece diretrizes de carreira, remuneração e desempenho “com base em competências e foco em resultados”. A estatal explicou que a PLR não está vinculada apenas ao lucro, mas também a resultados operacionais. Segundo a empresa, a incorporação de gratificação ao salário dos gerentes depende da complexidade do cargo e do tempo de permanência nele e que só recebem periculosidade os empregados que ingressam em áreas de risco, mesmo que de origem administrativa. Sobre a aplicação de mérito, a estatal diz seguir orientação da Secretaria de Estatais da União, limitando-a a 1% da folha de pagamentos. A gratificação de férias de 75% foi acertada em acordo coletivo.
O diretor da Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL), Eduardo Luiz Almeida, diz que não há privilégios, mas benefícios conquistados nas campanhas salariais ao longo dos anos. Ele diz que o pagamento de PLR nos anos em que a empresa teve prejuízo coincidiu com distribuição de dividendos aos acionistas. Ele admite que a empresa necessita de correções, mas não concorda com os métodos da atual direção:
– Quem tem privilégios é o presidente da Eletrobras. Nós temos benefícios que constam no edital de contratação da empresa e fazem parte do Plano de Cargos e Salários. E a categoria tem lutado nos últimos cinco anos para a sua manutenção.
Fonte: “O Globo”