Um dia visitei uma sala de aula de alunos de 3º ano do ensino médio, a convite da escola, para proferir uma palestra sobre democracia e as eleições que se aproximavam. Resolvi fazer com eles uma reflexão e uma provocação. Disse-lhes que a democracia era um sistema com muitos desafios, porque envolve a criação de consensos e que, com a tradicional divisão de Poderes, haveria lentidão no processo decisório.
Perguntei-lhes se não achavam que seria mais fácil escolher um bom líder e dar-lhe mais poder, sem essas delongas. Os jovens prontamente concordaram, sem perceber os riscos que isso traria.
Sugeri-lhes então que escolhessem um deles para ser líder com autoridade ampla. Boa parte gritou o nome de um rapaz alto e moreno, mas alguns tinham outras preferências. Perguntei-lhes então se aceitariam dar poder ilimitado a ele. Perceberam rapidamente a cilada embutida na proposta.
As democracias são naturalmente lentas e complexas porque contam com uma sistemática de pesos e contrapesos, para evitar que governantes carismáticos possam deter todo o poder e, sem algo que se lhes oponha, inflamar as massas para destruir os interesses legítimos ou direitos de minorias. Ou, pior ainda, em governos populistas, que as apresentem como as causadoras do mal-estar vivenciado pelos demais.
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Afinal, a democracia significa que a maioria governa, mas respeitados os direitos das minorias. Lembrei-me dessa história ao ler o livro “Terras de Sangue”, de Timothy Snyder, em que o autor mostra o que ocorreu nos anos 30 e 40 do século 20, época em que a frágil e incipiente democracia liberal era constantemente colocada em questão, mesmo nos países que a cultivavam. Ao ver florescer os totalitarismos de Hitler, Mussolini e Stálin, muitos jovens se encantaram com a virilidade, a assertividade e a capacidade de mobilização que esses governos traziam.
O esforço de Stálin para promover uma industrialização acelerada levou à morte milhões de ucranianos soviéticos, que chegaram a praticar canibalismo, segundo registros históricos. Da mesma maneira, a invasão da Polônia, realizada de forma coordenada pela União Soviética e pelas tropas nazistas —quando ambas adotaram políticas de limpeza étnica, embora com discursos distintos—, evidencia do que são capazes governantes quando nada serve de freio a suas soluções simplistas e voluntaristas.
O poder, tentei mostrar para os jovens alunos, demanda limites. Sem limites, a democracia corre riscos, e a situação resultante acarreta desrespeito aos direitos de todos e à integridade de minorias. Nenhum país merece!
Fonte: “Folha de São Paulo”, 10/7/2020