Após uma tragédia como a de Santa Maria (RS), duas coisas são certas de ocorrer: consternação e superregulação. Quanto à tristeza, não há nada a se dizer, mas tudo a se compartilhar. Este artigo se concentra na superregulação, sobre a qual há muito a se discutir.
Há décadas, pesquisadores se concentram no chamado “viés de saliência” que ocorre após catástrofes. A memória coletiva — e a necessidade de resposta política imediata, sob ameaça de perda de legitimidade — destaca eventos recentes, mas ignora riscos ocultos ou distantes no tempo. O problema é que, racionalmente, o risco saliente nem sempre é o mais grave ou o mais urgente. Os recursos públicos, contudo, invariavelmente serão canalizados para o risco de que se tem mais viva memória.
O viés de saliência gera a miopia regulatória. Gastar-se-á milhões numa hiper-prevenção a acidentes em boates — circunstância que, segundo a regra estatística da redução à média, provavelmente não vai mais ocorrer num futuro próximo —, dinheiro que provavelmente seria mais bem empregado na prevenção de outros riscos, os quais não estão atualmente destacados pela memória coletiva. O risco espetacular gera a (cara) resposta espetacular: é possível que mais mortes ocorram anualmente em função de riscos não-salientes (ex., crianças que se afogam em piscinas domésticas; não uso de tampa de segurança em remédios controlados), mas, nas próximas semanas, toda a agenda regulatória nacional estará concentrada nos riscos de incêndios em lugares fechados.
Além do problema do viés de foco, há outro padrão equivocado da resposta pública nesses casos. Ele pode ser resumido da seguinte forma: superregulação causa sub-regulação. A superregulação intensifica o problema de “acabar com os últimos dez por cento do risco potencial”. Ou seja, a busca pela exterminação por completo do risco. Só que os custos da inteira redução de certo risco — quando isso é possível, diga-se logo — são inversamente proporcionais à sua incidência estatística. Econômica e socialmente, isso não faz sentido: se já se gastou novecentos milhões para reduzir noventa por cento de determinado risco, não é racional gastar oitocentos milhões para reduzi-lo em mais cinco por cento. Se o poder público insiste nisso, faltarão — novamente — recursos públicos para regular outros setores. Assim, superregulação causa sub-regulação.
Mas há uma segunda razão para tanto: é que, se o poder público concentra todas as energias numa intensa campanha regulatória sobre certo setor ou risco, há natural contraofensiva por parte das empresas afetadas. Questionamentos judiciais, lobbies, contraofensiva política financiada pelo capital privado interessado. Tudo isso gera custos e desgaste para a máquina pública; recursos que serão potencialmente desviados de seu uso na regulação de outros setores ou riscos não-salientes (mas igualmente graves, ou até mais graves do que o risco saliente). Superregulação gerando sub-regulação. Melhor faria o poder público se optasse por regulação mais abrangente — isto é, sobre mais setores, já que assim neutralizaria mais riscos potenciais —, mas menos intensa, quer dizer, que acabasse não lhe sendo tão custosa.
Em síntese: em resposta a tragédias como a de Santa Maria, o Estado regula muito e regula mal. Se aos cidadãos é legítimo reagir emocionalmente, do Estado se espera menos emoção, e mais racionalidade.
Fonte: ConJur, 1º de fevereiro de 2013.
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