Maior parte deles é escolhida por critérios políticos
Os Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) são responsáveis por examinar os gastos dos agentes públicos, apontar irregularidades e superfaturamentos em obras e serviços, e tentar evitar que recursos governamentais sejam desperdiçados. Com o advento da Lei da Ficha Limpa, esses órgãos passaram a ter uma responsabilidade ainda maior, uma vez que lhes compete encaminhar aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) a relação de administradores que tiveram as contas com parecer negativo — o que pode impedi-los de se candidatar a cargos eletivos. Mas toda essa austeridade para o público externo nem sempre se verifica entre os próprios conselheiros.
A maior parte deles é escolhida por critérios políticos; muitos têm parentes importantes, e há pelo menos dez casos em que a Justiça os afastou da função após descobrir irregularidades, proibindo-os em alguns casos até mesmo de passar a menos de 100 metros da instituição que deveria zelar pela boa aplicação do dinheiro público. São esses tribunais e conselheiros que cuidarão das contas dos 27 governadores eleitos neste ano e das Assembleias Legislativas, que, juntas, têm 1.080 deputados estaduais. Embora não avaliem as contas individuais desses parlamentares, os conselheiros são responsáveis por aferir os gastos do Legislativo, além dos Tribunais de Justiça e dos Ministérios Públicos.
Pesquisa realizada pela ONG Transparência Brasil aponta que 44 conselheiros (23%) respondem a ações na Justiça ou até tiveram contas rejeitadas. Além do subsídio de R$ 26.589 e da vitaliciedade no cargo, os que obtêm uma cadeira em um tribunal de contas têm direito a carro com motorista, diárias, e, em alguns casos, verba para aluguel e até 14º e 15º salários.
A Transparência Brasil demonstrou, no mesmo levantamento, que essas máquinas custam caro ao contribuinte. Há situações, de acordo com a pesquisa, em que os gastos com os tribunais correspondem a 87% do orçamento da Assembleia Legislativa do estado. É o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro. O orçamento para 2014 desta é de R$ 681,5 milhões, e o do TCE, R$ 593 milhões. O Amazonas vive situação semelhante. Enquanto a Assembleia tem gasto estimado em R$ 222,8 milhões, o TCE tem uma verba de R$ 185,6 milhões (83%).
Os 27 TCEs mantêm 189 conselheiros — 2/3 indicados pelo Legislativo, e 1/3 pelo Executivo. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem nove ministros e cuida da prestação de contas do presidente, do Congresso e da administração direta e indireta. A maior parte dos indicados para os tribunais de contas é de ex-deputados, ex-secretários ou parentes. Por imposição constitucional, somente 54 são indicações mais técnicas, de servidores de carreira dos próprios tribunais e do Ministério Público.
Cientes das críticas que parte da sociedade dirige aos TCEs, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) se reúne no mês que vem, em Fortaleza, para discutir propostas de mudanças no funcionamento desses tribunais. Uma das ideias é exigir a aplicação da Lei da Ficha Limpa para os novos conselheiros e que haja quórum qualificado para a votação dos indicados — hoje, isso ocorre por maioria simples.
Apesar de a Constituição de 1988 exigir dos candidatos a conselheiros “idoneidade moral”, “reputação ilibada”, “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública”, o que se nota é que essas atribuições são letras mortas nos momentos das indicações. Entre os que ocupam cargo nos TCEs, há um condenado por homicídio — que já cumpriu a pena —, acusados de corrupção passiva, falsidade ideológica, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e por aí vai. Esse currículo, que impediria a posse de qualquer candidato ao serviço público, nem sempre é levado em consideração quando o escolhido para o cargo de julgador das contas públicas é um político, amigo de poderosos.
Em Alagoas, por exemplo, segundo o levantamento do Transparência Brasil, o conselheiro Luiz Eustáquio Toledo foi condenado a seis anos de prisão por matar a própria mulher. No Rio, os conselheiros José Gomes Graciosa e Jonas Lopes de Carvalho Júnior respondem a ações penais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por corrupção passiva. Em Rondônia, o ex-deputado estadual Francisco Carvalho da Silva, o Chico Paraíba, foi pego na Operação Dominó, da Polícia Federal, que acusou diversos parlamentares do estado, em 2006, de desviarem R$ 70 milhões dos cofres da Assembleia Legislativa por meio de contratos falsos.
Decisão judicial afasta conselheiros
Os problemas com a Justiça não ficam apenas na tramitação fria dos processos. Em alguns casos, os indícios de irregularidades são tão flagrantes que os conselheiros foram afastados de suas funções e proibidos de pisar no TCE. O Amapá é o caso mais notório. Cinco dos sete conselheiros titulares permanecem em casa, por ordem judicial. O ex-presidente da instituição, José Júlio de Miranda Coelho, além de ser apontado pelo Ministério Público Federal como um dos responsáveis por desvios milionários dos cofres do próprio tribunal, também foi flagrado em conversas telefônicas nas quais negocia com uma mulher encontros sexuais com a filha dela, de 14 anos.
No Mato Grosso, o conselheiro Humberto Melo Bosaipo foi afastado do cargo por decisão judicial. Ele responde a pelo menos oito ações penais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por peculato e lavagem de dinheiro. Um outro membro do tribunal, o conselheiro Sérgio Ricardo de Almeida, é acusado de comprar a vaga de outro colega, pagando R$ 4 milhões por isso. Ele nega.
Também em Alagoas, a vice-presidente do TCE, Rosa Maria Ribeiro de Albuquerque, é irmã do vice-presidente da Assembleia Legislativa, Antonio Albuquerque (PTdoB). O Ministério Público aponta o deputado como o chefe da organização criminosa que teria desviado recursos públicos da assembleia. Rosa Maria trabalhou com o irmão, que também empregou outros parentes na Casa, e por pouco não foi beneficiada por um ato dele. O deputado tentou tornar definitivas as nomeações dos parentes, inclusive de Rosa Maria, que se tornariam funcionários efetivos sem concurso público, mas uma ação do Ministério Público impediu a manobra.
Os conselheiros vivem num mundo onde podem dizer o que é certo e o que é errado na ação de terceiros. Não raras vezes, menosprezam os trabalhos realizados por técnicos, que apontam superfaturamento de preços ou outras irregularidades, e acabam decidindo politicamente. Embora não tenham o poder de condenar ninguém — a palavra final sobre a rejeição de contas é sempre do Legislativo —, eles equiparam-se a magistrados, sendo beneficiados pela Lei da Magistratura.
A transparência, que deveria ser regra básica nos sites dessas instituições, na verdade é exceção. Em São Paulo, por exemplo, nem mesmo o currículo dos conselheiros se pode consultar. No Rio, não é possível consultar a folha de pagamento nominal para saber quanto cada um recebe. No Tocantins, os relatórios anuais sobre a vida financeira do TCE pararam em 2011. Em Alagoas, se o cidadão quiser saber dos gastos com diárias dos membros do tribunal de contas, terá de recorrer à Assembleia Legislativa.
Fonte: O Globo
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