Vamos começar pelo básico: a corrupção é um grave mal dos regimes democráticos a ser energicamente combatida e inteligentemente prevenida pelas estruturas de legalidade do Estado. Feita a introdução, vamos direto ao ponto: apesar das boas intenções, a festejada Lei 12.846/2013, apelidada de “Lei Anticorrupção”, possui nítidos traços de inconstitucionalidade. Sem cortinas, a apontada norma legal nasce geneticamente corrompida. Veja-se.
De início, oportuno reconhecer que a iniciativa privada não é feita só de anjos; se assim o fosse, os empresários estariam todos no céu, voando entre brancas nuvens de paz. Todavia, as sinuosidades desta vida mundana não autorizam concluir que a safadeza é a regra do mercado, como se os empresários fossem em sua maior parte imorais e corruptores. Não! Sabidamente não são, como também não é a maior parte dos cidadãos brasileiros que vivem, diariamente, com seriedade, honra e decência. Enfim, o vício existe, mas a virtude segue sendo o padrão de convivência social.
Ocorre que a “Lei Anticorrupção” passa a régua e fecha a conta: toda e qualquer empresa é potencialmente corruptora e, dessa forma, deve estar sujeita a intromissões estatais de toda ordem. A brutalidade do novel dispositivo legal é tamanha que permite, em simples processo administrativo, sem fiscalização judicial, a sumária desconsideração da personalidade jurídica da empresa nos casos de abuso de direito (art. 14). Tudo por ato de império da majestade administrativa. Mas o que é isso e onde querem chegar? Até onde o Estado quer ir e para onde querem levar o cidadão e as empresas deste país? Terá o fascismo legislativo renascido das cinzas e gerado novos ariscos filhotes?
Ora, é o sinal dos tempos no Brasil. Tempos de leis cada vez mais autoritárias e lesivas aos princípios da autonomia e da liberdade individual. O autoritarismo da lei é tanto que chega ao ponto de prever a possibilidade de “dissolução compulsória da pessoa jurídica” (art. 19, inciso III). Ou seja, o Estado agora tem em suas mãos uma espécie de fuzilamento empresarial. Não é preciso ser um mago para ver e saber que o referido dispositivo legal viola as garantias constitucionais da propriedade privada e da livre iniciativa. Resta claro, portanto, que a nova lei tem um evidente ranço ideológico contra o setor empresarial brasileiro.
O empreendedorismo, pelo visto, deixou de ser um instrumento de criação de empregos, de geração de riqueza, de desenvolvimento econômico e de diminuição de desigualdades sociais. Com a desnorteada Lei Anticorrupção, ser empresário virou uma atividade absolutamente suspeita, passível de ser dizimada e, se preciso for, de forma humilhante e ostensiva. Na verdade, os políticos estão querendo dizer que são vítimas de um sistema corruptor, controlado por empresários indecentes. Coitadinhos dos nossos políticos, chega a dar pena deles… E, assim, como forma de purificar a nação, nossos santos políticos querem ter o poder de destruir o pecaminoso setor empresarial.
Muito já foi dito, mas, ainda, há mais. A última pérola diz respeito à chamada “responsabilidade solidária” das sociedades controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas (art. 4º, § 2º, da Lei 12.846/2013). Acontece que, ao tratar da pretensão punitiva e sancionatória do Estado, a Constituição foi de alva clareza ao afirmar que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV, da CF). Portanto, a Lei Anticorrupção está corrompida em muitos pontos. Não se questiona, frisa-se, a boa intenção da nova lei, mas uma boa lei deve traduzir necessariamente justas medidas. Afinal, a lei ruim é mais ruinosa que o cauteloso silêncio do legislador. No cair da noite do presente artigo, chegamos a mais um triste exemplo da decadência qualitativa dos trabalhos legislativos brasileiros. Falando nisso, qual a última boa lei do Congresso Nacional?
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