Encruzilhada institucional
Aos poucos e em ritmo continuado estabelece-se um ambiente político nebuloso que, diante dos iminentes riscos punitivos da Operação Lava-Jato, esboça uma reação congressual com vistas a minorar os efeitos de possível condenação criminal. Em outras palavras, acusados passariam a legislar em causa própria, criando mecanismos de atenuação condenatória somados a medidas de intimidação e controle sobre órgãos investigativos. Se o simples cogitar dessa ideia é absolutamente preocupante, sua materialização representará aberta e ostensiva fraude legislativa.
Ora, na República não existe poder absoluto; o chamado sistema de “checks and balances” procura instaurar uma harmonia dinâmica entre as instituições republicanas, elevando o interesse público na busca da realização efetiva de uma ordem social pautada pela decência, honra e dignidade, dentro de um contexto formativo regrado pela ética da responsabilidade. As dificuldades surgem quando o sistema entra em agudo desequilíbrio, possibilitando a hipertrofia de um poder sobre outro. Aliás, não faz muito que um Executivo aliciante colocou o Legislativo de joelhos, subjugando-o com propinas eróticas e promessas fúteis; tudo feito na velha tradição brasileira de que a política estava imune à Justiça.
Os tempos, felizmente, são outros; a impunidade desbragada de outrora fica sem entender o novo paradigma institucional de elevação da moralidade pública. Acontece que nunca foi e jamais será fácil mexer no vespeiro do poder. Se a física ensina que toda ação provoca uma reação de igual força e intensidade, a política é o campo das forças imprevisíveis e, não raro, desproporcionais. Todavia, há limites intransponíveis; por mais que queira, a política não pode violentar a Constituição Federal. Logo, toda lei, maquinada para frustrar os justos anseios de moralização de uma sociedade destroçada pelo fel da corrupção sistêmica, estará eivada de inconstitucionalidade insanável, caracterizando, ainda, flagrante exercício ilegítimo da representação democrática.
Sim, o futuro nos será desafiador. Em breve, o Brasil chegará a uma encruzilhada institucional inescapável: os avanços punitivos da via judicial embretarão o sistema político viciado, inaugurando uma frontal colisão entre poderes. Aqui, não haverá solução fácil. Dentro de suas atribuições republicanas, caberá ao colendo Supremo Tribunal Federal coibir manobras legislativas para benefício próprio, bem como conter os abusos de um ímpeto punitivo inquisitorial.
A balança dos interesses em jogo deverá ser milimetricamente equilibrada. Além dos finos traços da boa hermenêutica jurídica, caberá ao juiz constitucional a responsabilidade histórica de contribuir para o aprimoramento político brasileiro. Ou seja, a punição de corruptos e corruptores deverá ser acompanhada de cirúrgicas medidas garantidoras do regime democrático, evitando a desintegração do sistema pelo pus de um núcleo político geneticamente corrompido. A justa solução exigirá, portanto, o talento jurídico associado ao tato vivencial de olhos que não apenas veem, mas compreendem as complexidades da natureza do poder.
Por fim, a energia transformadora da cidadania ativa e a força da opinião pública independente também terão que exercer, sem tréguas, o seu papel democrático republicano. O sucesso da democracia inicia-se com os passos do povo, que, através de movimentos organizados, impulsiona o sistema estabelecido a entrar em rota de aperfeiçoamento, elevando suas práticas e costumes políticos. O caminho é longo, mas estamos andando bem. Será, no entanto, que teremos fôlego para chegar ao fim?
Fonte: O Estado de Minas, 29/11/2016.
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