BRASÍLIA – O bônus que o governo vai criar para quem economizar energia nos próximos meses será pago pelos próprios consumidores, por meio de aumentos diluídos na conta de luz de todos. Engajar cada cliente de forma individual para poupar eletricidade e contribuir com o enfrentamento da crise hídrica de forma conjunta passará, também, por uma estratégia de convencimento para que as pessoas não se sintam enganadas, dado que o desconto será proporcionalmente pequeno no valor final da conta de luz.
Adriano Pires é o novo palestrante do projeto aula magna!
Conforme apurou o Estadão/Broadcast, o governo pretende premiar os consumidores que reduzirem o consumo em um patamar de 10% a 20% com um bônus. Quem economizar menos que 10% não receberá bônus. Quem poupar entre 10% e 20% receberá um valor, ainda indefinido, mas inferior a R$ 1 a cada quilowatt-hora (kWH) economizado. O bônus terá teto de 20%, ou seja, quem economizar mais que 20% não receberá prêmio adicional.
Embora o governo tenha cogitado uma gratificação de R$ 1 a cada 1 kWh poupado, técnicos consideraram o valor inviável e, agora, trabalham com a hipótese de R$ 0,50 a cada 1 kWh. Para ter uma comparação, a tarifa média paga pelos consumidores residenciais hoje está em R$ 607,60 por MWh – ou seja, R$ 0,60 a cada 1 kWh, e o bônus, portanto, não pode ser maior que esse valor para que o custo da energia seja efetivamente pago. O problema é que a geração de energia adicional é muito mais cara do que essa média. A termelétrica William Arjona, em Mato Grosso do Sul, tem custo de R$ 2 mil por MWh, ou R$ 2 a cada 1 kWh.
Em média, uma família brasileira consome 163 quilowatts-hora mensais, o equivalente a R$ 139,26, com impostos. Se conseguir economizar 20%, por exemplo, essa mesma família pagaria uma conta 36% menor, caso o bônus fosse de R$ 0,50: além dos 130,4 kWh, ela receberia um bônus sobre os 32,6 kWh economizados e pagaria R$ 88,43. Se esse prêmio fosse de R$ 1, cenário praticamente descartado, a conta ficaria em R$ 65,45, ou 47% menor.
Um dos problemas é que o Ministério da Economia não aceita abrir crédito extraordinário – com recursos do Orçamento da União – para bancar o bônus. Outro impasse é que o governo quer premiar quem economiza, mas não quer punir quem gastar mais com multa ou corte compulsório – como foi feito em 2001. Esse seria um modelo mais simples e de fácil explicação, mas que foi descartado para evitar que fique caracterizado um racionamento, algo cujo peso político pode atrapalhar os planos de reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Assim, a ideia é que o conjunto de consumidores pague, proporcionalmente, pelo custo adicional de geração, por meio de uma taxa chamada de Encargos de Serviço do Sistema (ESS). O ESS é pago via bandeira tarifária e, caso o custo das usinas supere o valor arrecadado, é repassado no reajuste tarifário anual de cada distribuidora. Após pagar esse custo, o consumidor que economizar energia terá uma parte desse valor devolvido na conta de luz – mas apenas a sua economia individual, e a um valor mais baixo do que aquele que ele efetivamente pagou.
Para o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana, o consumidor pode se sentir injustiçado com esse sistema. Em 2001, a energia que foi economizada pelo consumidor pôde ser vendida, por meio de comercializadoras, ou liquidada no mercado de curto prazo, a preços elevados, explicou.
“Em geral, o racionamento de energia por prêmio costuma ser eficaz. O problema é enganar o consumidor e fazer com que ele pague para si mesmo, e devolver só uma parte. Quem deveria pagar é o gerador que está sem energia, caso das hidrelétricas, ou seja, quem está vendido no mercado”, afirmou Santana.
Para ele, porém, para que o programa efetivamente seja bem sucedido, ele já deveria ter sido anunciado, com regras amplamente divulgadas e explicadas para a população. Santana afirma ainda que é preciso escolher uma base de comparação adequada para que o consumidor não se sinta lesado. O correto, na opinião dele, seria comparar com o consumo médio referente aos meses de junho, julho e agosto de 2020 – período em que as restrições da pandemia fizeram com que o consumidor ficasse mais tempo em casa e gastasse mais.
Bandeira
A Aneel ainda precisa definir o novo patamar da bandeira vermelha nível dois, que vai vigorar a partir de 1º de setembro. A expectativa é que a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg) – órgão presidido pelo Ministério de Minas e Energia (MME) – determine, nesta terça-feira, 31, que a agência repasse os custos das medidas adotadas para evitar apagões para a bandeira. Seria uma forma de dividir a responsabilidade de uma notícia ruim com vários órgãos. Até agora, a agência ainda não convocou reunião pública para aprovar o valor.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, cálculos internos do governo apontam para a necessidade de que a bandeira vermelha nível 2, hoje em R$ 9,49 a cada 100 quilowatts-hora (kWh), seja elevada para algo entre R$ 15 e R$ 20 entre setembro e maio de 2022. Há ainda um cenário-limite de até R$ 25, entre setembro e dezembro, voltando a R$ 9,49 em janeiro, que apesar de ser o preferido pela Aneel, é improvável que ele seja adotado.
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, é contra um aumento mais elevado e por um período menor, para evitar que a inflação suba além dos que já acumula alta de 8,99% em 12 meses até julho. Isso porque a inflação consome espaço no teto de gastos e obrigaria o Banco Central a aumentar ainda mais a taxa básica de juros.
Fonte: “Estadão”, 31/08/2021
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters