O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), que avalia estudantes de 15 anos de 65 países, consiste de três provas: leitura, matemática e ciências. Os testes são preparados de modo a driblar os decorebas. Medem se o aluno entendeu o que estudou. Não apenas se sabe ler, mas se consegue interpretar um texto e tirar conclusões. Idem para matemática: partir de fórmulas e resolver problemas, situações.
Por que essas três disciplinas? Porque se entende, mundo afora, que todo o resto vem a partir dessa base. Na vida profissional, por exemplo, tratase do conhecimento e do aprendizado necessário para operar uma máquina ou instrumento eletrônico a partir do seu manual. Mas também é a base para que o cidadão possa entender, interpretar e julgar o discurso, digamos, do presidente da República.
Os alunos brasileiros, embora tenham avançado, apareceram nos últimos lugares no Pisa de 2009. Como é talvez o mais respeitado teste de avaliação no mundo, o governo brasileiro, via Ministério da Educação, tem metas ali. Conforme o projeto do Plano Nacional de Educação 2011-2020, lançado ontem pelo presidente Lula e pelo ministro Fernando Haddad, o objetivo é que os alunos brasileiros saltem da média de 395 pontos, obtida em 2009, para 473 em 2021 (o teste é feito a cada três anos).
Logo, todo o esforço deveria se concentrar nas três disciplinas essenciais do ensino fundamental, português, matemática e ciências, certo? Errado. Tem ocorrido exatamente o contrário. Há movimentos, via votação de projetos de lei no Congresso, para acrescentar mais matérias ao currículo, sem aumentar o número de dias letivos ou o número de horas de aula/dia.
Filosofia, sociologia, música, psicologia, cultura indígenas e africanas — essas são matérias já incorporadas ou a caminho disso. O argumento: a escola não deve formar apenas bons alunos ou bons profissionais, mas cidadãos responsáveis.
Uma primeira observação: se fossem formados “apenas” bons alunos, já seria um enorme êxito, não é mesmo?
Outra: se o objetivo faz sentido, formar cidadãos, o acúmulo de matérias não resolve nada. E dá perfeitamente para formá-los sem essas matérias. Humanidades, por exemplo: nas aulas de português, os alunos podem ler textos de filosofia, sociologia, psicologia etc. Muitas vezes nem precisa: há muita psicologia, por exemplo, num conto de Machado de Assis bem lido e compreendido.
Agora, consideram a música. Qual a melhor maneira de ensinar ou, antes disso, estimular o interesse das crianças? Tocar instrumentos, na verdade, apresentá-los aos meninos e meninas para que comecem brincando com eles. Com o tempo, formam-se bandas, conjuntos, orquestras. Ora, eis uma excelente atividade para os fins de semana nas escolas.
Qual a melhor e mais atraente maneira de conhecer a cultura indígena? Visitando as aldeias, estando com os povos. Outra excelente atividade para feriados e mesmo para uma parte das férias, por que não?
O problema, reconhecemos, é que isso dá trabalho e toma tempo. Também custa algum dinheiro. Vai daí que, podem apostar, essas boas intenções terminam em desastres. Colocam na grade curricular uma aula de música por semana, pura falação, sem instrumentos, outra de sociologia e culturas antigas, sem sequer boas fotos em Power Point, e acabou.
Torra a paciência dos alunos, rouba tempo do ensino de português, matemática e ciências, para quê? Vamos falar francamente: além de dar emprego a formados nessas matérias, não serve para nada.
Assim, o ensino, que já é precário nas três disciplinas essenciais, tornase também ruim em humanidades, artes e cidadania. (E por falar nisso, também nas escolas para povos indígenas é preciso ensinar as mesmas três disciplinas. Equação de segundo grau é igual para todos).
O Plano Nacional de Educação foi bem recebido entre educadores, especialmente pelo foco. Em vez das 295 (!) metas do plano anterior, desta vez foram definidas “apenas” 20, efetivamente prioritárias. Foco — eis o caminho correto.
Problema: o projeto tem de ser aprovado pelo Congresso, onde é grande a chance de aparecerem mais algumas centenas de metas que interessam a lobbies e corporações. Seria mais uma pena.
A educação brasileira tem avançado, mas, como partiu lá de trás, os progressos são claramente insuficientes. A nossa escola pública não corresponde a um país com a oitava economia do mundo. Isso exige mais do que avanços burocráticos, requer envolvimento nacional, além, é claro, de mais dinheiro e mais competência no uso dos recursos. E tudo pelo bom professor.
Fonte: O Globo, 16/12/2010
Se para ir ao armazém mister saber, pelo menos, as quatro operações, para emitir qualquer conceito ou opinião o mínimo que se requer é algum conhecimento de filosofia, que significa saber pensar. O desprezo pela Filosofia, até merecido porquanto elevada em bases fictícias, a partir de Galileu foi simplesmente excluída da constelação científica. Eis a razão do declíneo do ocidente. A filosofia, e não a matemática, é o elo de todas as ciências, e mesmo das pretensas ciências, como o direito, a economia, a sociologia e a psicologia. Querer identificar a raiz pela folha equivale à suposição da Caverna de Platão. Faz tempo que saimos dela.