Se estou bem lembrado, faz um mês, pouco mais, ao tempo em que a desindustrialização causou o rebuliço que tirou o governo da modorra em que dormitava, que a senhora presidente falou pela primeira vez nas peculiaridades do nosso sistema financeiro. A consequência desse fato levou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a reduzirem juros. Quando se falou em estender a mesma orientação aos bancos privados, foi uma surpresa, pois, durante o octonato do ex-presidente Luiz Inácio, o Banco Central permaneceu impermeável a qualquer ideia a respeito. Mas, como seria de esperar, os maiores bancos, sem demora, falaram em reduzir a taxa por eles assentada e tendo um dirigente da Federação Nacional dos Bancos, salvo engano, que se pronunciara contrário à nova orientação, foi desaprovado publicamente e logo se retirou ou foi retirado da posição ocupada. Recordo o episódio para ressaltar que os bancos privados foram solícitos em acolher os novos dogmas. Mas o caminho preferido pela senhora presidente continuou a ser trilhado e, no dia 1º, Dia do Trabalho, retomou o tema com maior desembaraço, reclamando a “redução de taxas para empréstimos, cartão de crédito, cheque especial e crédito consignado”. Acerca da matéria, lembro que não é de hoje que me venho manifestando contra o delírio usurário oficial, razão pela qual nunca entendi como ele era publicamente praticado entre nós.
Mas, perdoe-me a senhora presidente, a história não me parece bem contada. Há coisa fora do lugar. É que os flagelos apontados não ocorreram nem de repente nem às escondidas. De resto, os fatos não podem ser ignorados, nem negados, mas analisados como realidades visíveis e palpáveis para apurar seu bom ou mau efeito. Ora, o que agora está provocando a ira sagrada da senhora presidente se instalou às barbas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central, que tinham todos os poderes para impedir o conspícuo abuso ou extirpá-lo de uma vez. No entanto, nada disso sucedeu. Ao contrário, essa fauna financeira enraizou-se à sombra do Banco Central, como se este não existisse.
Logo que circulou a nova diatribe presidencial contra as insânias cometidas de longa data, não faltaram manifestações de pessoas versadas no assunto. Começaram por observar que era indispensável saber o que custava ao banco o dinheiro por ele captado e o que o próprio Banco Central recebe sob o rótulo de depósito compulsório, que ele pode fazer quando e como lhe apraz; em outras palavras, vai uma diferença entre o que o banco privado capta e o que ele pode ou não aplicar em suas operações ordinárias; outrossim, é notória a crescente inadimplência e embora a senhora presidente afirme que a grande maioria da população é pontual no pagamento de seus débitos, não é exato, pois o endividamento das famílias é extremamente elevado e há setores em que as pessoas, honradas, sem dúvida, mas sem condições de enfrentar os débitos, têm-nas levado a entregar de graça o bem financiado desde que leve com ele a dívida financiada; de outro lado, é imperioso indagar qual o juro que a nação paga sobre a dívida pública; essa taxa não contribui para a fixação do juro das operações domésticas? São dados que têm de ser medidos e pesados um a um para saber, com a possível exatidão, o papel de cada um desses fatores.
Indo ao óbvio, o Banco Central não viu nem vê os escandalosíssimos juros vigentes em relação a cartões de crédito, cheque especial e o adocicado presente dado aos bancos no crédito consignado? O que parece estranho é a senhora presidente haver recorrido à televisão para dirigir-se a um serviço público federal. Para dar uma ideia do caso, tratando-se do cheque especial, a taxa anual de juros varia quase ao infinito chegando a 100%, 169%, 175%, 202%, 219% e 225%. Será necessário recorrer a um filósofo genial para saber o nome dessa realidade e por que as melhores instituições terminam como esqueletos de museu?
Fonte: Zero Hora, 07/05/2012
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