Jennifer Rodgers é diretora do Centro para o Avanço da Integridade Pública (CAPI, em inglês) da prestigiada Universidade de Columbia, em Nova York, considerada uma das melhores do mundo. Com uma ampla experiência em matéria de corrupção pública, ela lidera o CAPI, fundado como uma solução para aproximar teoria e prática em matéria de combate à corrupção. Esse centro de recursos sem fins lucrativos e independente contribui com esforços contra a corrupção por meio da realização de pesquisas, promoção das melhores práticas e integração de profissionais em network para difusão do conhecimento e experiências.
Jennifer foi entrevistada, em Nova York, pelo promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial do Ministério Público do Estado do Paraná, André Glitz, que lá cursa um mestrado em Direito. Glitz foi incentivado pelo coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, que cursou mestrado em Harvard. Ambos fazem parte de uma nova geração de procuradores preocupados em promover alterações nas leis para que elas tragam justiça, combatendo a corrupção e a impunidade. Expressão desse novo ânimo foi a proposta das 10 medidas contra a corrupção, propostas pelo Ministério Público a partir da Lava Jato e que recentemente ultrapassou o alvo de 1,5 milhão de apoiadores, o que permitirá que sejam levadas ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular. André Glitz entrevistou Jennifer sobre temas como a Lava Jato e as 10 medidas. Confira.
Época – Investigações conduzidas pela Polícia Federal e por promotores descobriram o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, envolvendo a Petrobras. Como práticas criminosas tão significativas passam despercebidas pelas autoridades por mais de uma década?
Jennifer Rodgers – Há algumas razões para isso. Primeiro, as pessoas envolvidas estão ganhando tanto dinheiro que ficam motivadas a manter o silêncio. Além disso, mesmo as pessoas que não se beneficiam do esquema e ficam sabendo dele provavelmente não terão interesse em se apresentar. Não há proteção para delatores, há muito pouco incentivo para as pessoas falarem, já que elas podem perder seus empregos, ou pior, colocar a si mesmos ou suas famílias em perigo. E também parece haver uma falta de confiança no governo em geral que faz com que cidadãos com informações importantes pensem que nada será feito, mesmo que eles arrisquem tudo indo até as autoridades.
Época – Corrupção e crimes relacionados à sua prática, como lavagem de dinheiro, são dificilmente processados no Brasil. Quando os réus são declarados culpados, eles raramente vão para a cadeia. Há uma percepção muito forte de impunidade. Quais são os impactos dessa realidade num país?
Jennifer – A opinião pública de que criminosos não são responsabilizados pelos seus crimes pode ser incrivelmente danosa para um país. Poucos cidadãos estarão dispostos a se apresentar para reportar crimes. Essa falha no processo também pode ocasionar um aumento na atividade criminal, já que não há consequências visíveis para a conduta ilegal. Finalmente, a provável consequência mais séria é que a aparência de impunidade em relação a crimes envolvendo funcionários públicos pode levar os cidadãos a decidir que seu envolvimento em assuntos governamentais não tem sentido, o que põe em perigo a própria natureza de um governo representativo.
Época – Por que a prevenção da corrupção é tão importante? Quais são as ferramentas para prevenir a corrupção?
Jennifer – Obviamente, uma das ferramentas é o sistema de justiça criminal. Mas esse não é o jeito ideal de atacar a corrupção, porque só pune sem necessariamente se recuperar valores desviados. É inevitável que haja agentes corruptos que nunca são pegos. Um sistema forte de fiscalização é necessário. É absolutamente essencial algum tipo de cão de guarda independente que vigie os ramos do governo, especialmente órgãos do Executivo, onde grande parte dos fundos governamentais são desembolsados. Governos devem ter um código de ética severo para guiar seus empregados e dizer o que se espera deles; esse código deve servir também para os fornecedores. Um mecanismo de execução apropriado deve estar presente para assegurar que reclamações contra aqueles que não seguem as leis e o código de ética sejam julgadas apropriadamente, de maneira justa e meticulosa; esse mecanismo deve incluir proteção para delatores queixosos. E aos funcionários deve ser dado treinamento adequado nessas questões éticas. A ideia é tentar parar a corrupção antes que ela aconteça, e diminuir a necessidade de se aplicar uma lei de intervenção.
Época – Algumas das mudanças legislativas que focam tanto no processo quanto na prevenção de casos de corrupção têm sido apresentadas pela procuradoria federal para a sociedade brasileira. Uma dessas mudanças são os testes de integridade. Esses testes têm sido aplicados nos EUA? Em que contexto? Você acha que eles podem funcionar contra a corrupção?
Jennifer – Testes de integridade têm sido usados no EUA e podem ser uma ferramenta bastante útil. Um tipo de teste de integridade é o teste de integridade aleatório, que tem sido usado em muitos departamentos de polícia para testar a honestidade dos funcionários. Um exemplo disso seria entregar uma mala cheia de dinheiro para um policial na rua para ver se ele a devolve com o dinheiro dentro. Testes de integridade completamente aleatórios podem prejudicar moralmente se não forem implementados de maneira cuidadosa, mas onde há suspeita de corrupção muito difundida, eles podem fornecer informações importantes sobre oficiais desonestos e ditar um tom para a agência de que corrupção não será tolerada. Flagrantes montados para pegar um determinado suspeito de corrupção são outro tipo de ferramenta na qual um oficial suspeito de desonestidade (por exemplo, porque ele tem um certo número de reclamações contra ele envolvendo roubou, mesmo que tenham sido provadas) é testado. Esse tipo de teste com alvo é muito comum, e também fornece um meio de revelar uma transgressão e criar um efeito intimidador sobre os outros. Um cuidado é ter certeza de que não há nenhum impedimento legal no processo do teste de integridade – a oportunidade de transgressão deve ser meramente oferecida, em oposição a transgressão ser induzida ou encorajada. Finalmente, órgãos buscando fazer esse tipo de teste devem ter certeza que o chefe da agência também está dentro, assim como o conselho do órgão ou um promotor para garantir a legalidade da operação.
Época – O que o Brasil pode fazer para prevenir outro escândalo como o da Petrobras no futuro?
Jennifer – Muitas mudanças significativas na luta contra a corrupção vêm depois de grandes escândalos. É quando o público, a mídia e grupos da sociedade civil demandam mudanças, e quando políticos não têm escolha além de concordar, ao menos em certo grau. Por exemplo, numa escala muito menor que a Petrobras, aqui em Nova York no ano passado, os homens que lideram nossas duas casas legislativas estaduais foram condenados em ofensas de corrupção separadas. Algumas semanas depois, o governador – depois de anos basicamente ignorando os muitos pedidos por reformas – finalmente fez das disposições públicas éticas um dos elementos centrais das suas negociações de orçamento com o Legislativo por causa da pressão do público, da mídia e grupos governamentais. Eu espero e acredito que esse é um momento em que o Brasil pode, de maneira similar, exigir efetivamente responsabilidade, apesar de ser necessária perseverança.
Época – Você pode falar um pouco sobre você e sobre o Centro para o Avanço da Integridade Pública (CAPI), da Escola de Leis de Columbia?
Jennifer – O CAPI é um centro de pesquisas e recursos para profissionais de integridade pública do mundo todo. Nós trabalhamos com esforços anticorrupção e de ética pública, principalmente para promotores, investigadores e outros funcionários públicos, e nosso foco primário está nesses esforços num nível municipal. Nossos objetivos são construir uma plataforma para a comunidade pública íntegra global colaborar, fornecer os melhores materiais práticos no nosso site, e usar nossos eventos e projetos de pesquisa para ligar o espaço entre conhecimento e prática nessa área. Eu vim para o CAPI do escritório do promotor federal em Manhattan, onde por 13 anos trabalhei em diversas aéreas, incluindo corrupção pública, crime organizado, terrorismo e apelações. Meu histórico como promotora definitivamente me deu consciência de que os profissionais desse campo podem fazer uso das ferramentas que nós da CAPI fornecemos, e também de que a corrupção é um problema que exige uma forte resposta da aplicação da lei.
Fonte: Época.
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