Governos de estados brasileiros que se endividaram demais, e que foram beneficiados com a renegociação dessas dívidas, estão agora recorrendo à Justiça para deixar de pagar parcelas de empréstimos com a União.
De 1997 a 1998, a União renegociou a dívida dos estados em 30 anos a juros subsidiados. Elas somavam R$ 100 bilhões na época. De lá para cá, foram feitas mudanças para aliviar o peso da dívida sobre os estados, até que em 2016, depois de uma longa e tensa negociação, foi aprovada uma nova lei de refinanciamento da dívida dos estados com o Governo Federal.
Por pressão dos estados e com o aval do Congresso, a União aceitou um novo alongamento das dívidas em 20 anos. O Rio de Janeiro, em situação financeira mais grave, entrou num regime diferenciado de recuperação fiscal em setembro de 2017. Ganhou carência de três anos para pagar a dívida, o que até aqui custou ao Governo Federal R$ 24 bilhões.
Nos últimos três anos, de acordo com o Tesouro Nacional, só por conta das renegociações, o Governo Federal deixou de receber mais de R$ 106 bilhões. Até 2022, a estimativa da equipe econômica é que o socorro aos estados custe mais R$ 154 bilhões. Liminares obtidas pelos estados na Justiça podem obrigar a União a fazer um esforço de caixa ainda maior e em valores imprevisíveis.
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Em agosto de 2017, o Rio Grande do Sul conseguiu liminar no Supremo que impede a União de bloquear recursos do estado para cobrar a dívida não paga. O bloqueio estava previsto no contrato. De lá para cá, o Rio Grande do Sul não pagou mais de R$ 8 bilhões. Minas Gerais também obteve liminar com decisão semelhante em março de 2018 e deixou de pagar quase R$ 9 bilhões ao Governo Federal nos últimos dez meses.
Uma outra liminar obtida no Supremo, no dia 4 de janeiro, proibiu o Governo Gederal de bloquear R$ 443 milhões de Minas Gerais.
Rondônia é outro estado que há quatro anos mantém suspenso o pagamento da dívida, que foi retomado em setembro de 2018, mas em parcelas menores.
Além da perda de receita, as liminares trazem outro prejuízo, na visão da equipe econômica: servem como válvula de escape para os estados adiarem os ajustes necessários, desrespeitando os limites de gastos determinados pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Há mais de um ano, Minas Gerais e Rio Grande do Sul negociam com o Governo Federal aderir ao regime de recuperação fiscal nos moldes adotados pelo Rio de Janeiro. Mas até agora não aceitaram as contrapartidas do acordo.
O Rio foi obrigado a adotar um regime duro para organizar as contas. Assumiu o compromisso de estabelecer um teto para os gastos públicos, de elevar a contribuição previdenciária dos servidores e de privatizar estatais.
O economista Fábio Klein, da Tendência consultoria, diz que liminares são prêmios para o mau pagador.
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“Cria um incentivo perverso. Tem dois estados, um que é um mau pagador, busca suspensão dos seus pagamentos junto à União via Judiciário, e outro, que é um bom pagador, que faz o dever de casa, a dura lição do ajuste fiscal, que não é fácil em nenhum lugar, mas é um dever de casa necessário. É um ajuste necessário. O bom pagador não tem nenhum incentivo, nenhum prêmio por fazer isso”, disse. “Já o mau pagador que busca o caminho fácil via Judiciário acaba tendo o benefício da suspensão da dívida sem o custo político de fazer o ajuste fiscal no seu estado.”
O total da dívida dos 26 estados e Distrito Federal com a União é hoje de R$ 557 bilhões.
Fonte: “Estadão”