As principais estatais federais — Petrobras, Eletrobras, Correios, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal — correm o risco de perder mais de R$ 380 bilhões em processos que correm na Justiça ou administrativamente. Desse total, R$ 71 bilhões são considerados perdas prováveis. Isso significa que esses valores são praticamente dados como perdidos e precisam ser provisionados (reservados) no balanço financeiro das empresas.
O restante equivale a perdas possíveis, com menor chance de se confirmar ou, se isso acontecer, com pressão sobre o caixa das estatais num prazo mais longo. Nesses casos, não há provisão nas demonstrações financeiras. Os números incluem perdas potenciais com ações trabalhistas, tributárias e cíveis e se referem ao terceiro trimestre de 2018, último dado disponível.
As estimativas de perdas tendem a diminuir o valor de mercado dessas companhias, uma vez que os investidores precificam esses passivos. Isso significa que, em caso de privatização da estatal ou de suas subsidiárias, por exemplo, os lances podem ser menores para compensar os riscos judiciais, o que diminui a arrecadação para os cofres públicos.
Mesmo assim, especialistas apontam que as seis empresas continuam a ser o “filé mignon” entre as estatais e dificilmente sofreriam uma perda de interesse por parte do mercado, caso o ministro da Economia, Paulo Guedes, leve adiante um amplo programa de privatizações.
Maior estatal brasileira, a Petrobras também acumula o maior passivo judicial. A empresa tem R$ 24,2 bilhões reservados para processos considerados como de perda provável. O valor total das perdas possíveis e não provisionadas, porém, é quase dez vezes maior e chega a R$ 208,6 bilhões.
A empresa já reservou dinheiro para encerrar uma ação coletiva consolidada perante a Justiça de Nova York, nos EUA, por causa da Operação Lava-Jato, e uma série de processos relacionados à cobrança de royalties, descumprimento contratual relacionado à construção de plataforma, indenização por ação de desapropriação de área e multas aplicadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP).
A maior parte dos processos não provisionados da petroleira está ligada a questões fiscais. Apenas um caso, movido pela Receita Federal, pode resultar numa perda de R$ 44,4 bilhões. A ação discute a incidência de alguns impostos sobre remessas para pagamentos de afretamentos de embarcações.
Ação trabalhista no STF
Um dos maiores processos trabalhistas do país também perturba a Petrobras, e pode resultar num débito de R$ 22,4 bilhões. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já decidiu, no ano passado, a favor dos trabalhadores em uma discussão sobre pagamento de adicionais, mas a decisão foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e agora aguarda a apreciação do plenário da Corte.
Em nota, a Petrobras afirmou que faz um detalhamento das principais ações com risco possível e a situação de cada uma delas. Também ressaltou que segue normas internacionais de contabilidade para o registro e divulgação das contingências.
Na Eletrobras, cuja privatização está em análise no governo, o montante de perdas potenciais ultrapassa R$ 100 bilhões. A estatal explicou em seu próprio balanço que a maior parte é de processos que discutem a correção dos empréstimos compulsórios, que gerava recursos para a expansão do setor elétrico desde os anos 1960. A cobrança seria extinta em 1977, mas foi prorrogada até 1993. Por lei, os consumidores poderiam depois converter os valores pagos em ações da estatal.
Já os Correios têm a maior parte do seu passivo judicial e administrativo de R$ 2,9 bilhões relacionada a débitos trabalhistas. São reclamações de indenizações, horas extras, descaracterização de jornada de trabalho, adicional de função, representação e outros. Ações de cobrança movidas por fornecedores também preocupam a empresa, que informou prestar esclarecimentos sobre a parte judicial de recursos provisionados no próprio balanço.
Entre as instituições financeiras públicas, o Banco do Brasil tem uma perda possível e provável de R$ 25 bilhões. As maiores contingências são autos de infração lavrados pelo INSS visando ao recolhimento de contribuições incidentes sobre abonos salariais pagos nos acordos coletivos de 1995 a 2006, e verbas de transporte coletivo e utilização de veículo próprio por empregados. O banco informou que cumpre rigorosamente as normas do Banco Central para provisionamentos, e que os valores previstos em seu balanço para prováveis perdas serão diluídos ao longo do tempo, podendo ser assimilados pela organização.
‘Risco Brasil’
Com possíveis perdas de R$ 16,2 bilhões, a Caixa Econômica Federal foi acionada por empregados, ex-empregados e terceirizados por planos de cargos, acordos coletivos, indenizações e benefícios. No balanço, a empresa afirma que vem executando uma política de conciliação judicial e extrajudicial. O BNDES tem o menor valor de valores em discussão na Justiça: R$ 1,5 bilhão, segundo seu informe contábil.
Sérgio Lazzarini, professor de estratégia do Insper e estudioso das estatais, aponta que as possíveis perdas são resultado do chamado “risco Brasil”, que afeta as empresas de forma generalizada. Legislações complexas tanto na esfera trabalhista quanto tributária, por exemplo, criam incertezas e obrigam os gestores a gastarem tempo e dinheiro para lidar com esses problemas:
— Esse é um risco geral das empresas brasileiras, dívidas fiscais e trabalhistas altamente incertas. Empresas de grande porte como essas próprias estatais, entretanto, têm departamentos internos preparados para disputar esses valores na Justiça. Infelizmente, faz parte do “risco Brasil”.
Lazzarini reconhece que, no caso das estatais, as perdas podem agravar ainda mais o resultado das contas públicas. Na maioria das estatais, a União é única acionista. No entanto, é pouco provável que o impacto ocorra de uma única vez:
— Na margem, sim (pode agravar o resultado das contas públicas), mas é improvável que todo esse valor seja devido de forma imediata, dado que existem processos de contestação.
Fonte: “O Globo”