Imagine se, por uma regulação do governo, você só tivesse a opção de comprar uma única maçã ou um saco com 100 maçãs no supermercado. É mais ou menos isso que acontece com o mercado de capitais. Apenas empresas muito pequenas ou muito grandes conseguem captar investimentos. Neste caso, o gap atinge companhias com capital entre R$ 15 milhões (limite para captar dinheiro no mercado de capitais via plataformas de crowdfunding) e R$ 300 milhões (valor mínimo para abrir capital na bolsa e captar dinheiro).
Qualquer coisa no meio disso tem apenas a opção de debêntures, onde, ao invés de ações, a empresa emite títulos representativos de dívida, e a relação do investidor não é de participação de capital, mas de credor, de alguém que concedeu um empréstimo. A justificativa para o excesso de restrições que leva a tal distorção é a suposta “proteção do investidor”. Mas, na prática, isso tem impedido investidores de estabelecerem relações privadas mutuamente vantajosas, ao mesmo tempo em que falta segurança aos agentes de que seus direitos e obrigações serão respeitados em caso de litígio. As conclusões são do mais recente estudo da série Millenium Papers intitulado “Regulação de ofertas no mercado de capitais”.
De autoria do mestre em Economia pelo IBMEC , João Accioly, da pós doutora em direito pela USP, Uinie Caminha, e do doutor em Direito pela USP, André Pitta, o documento feito para o Instituto Millenium mostra que a relação entre o direito e o desenvolvimento do mercado de valores mobiliários vem sendo reconhecida cada vez mais pela literatura jurídica e econômica. Porém, o debate sobre o tema é tradicionalmente centrado na ideia de que a proteção dos investidores é o principal elemento de ordem legal-regulatória determinante para o seu desenvolvimento. Desta forma, muitas vezes essa suposta “proteção” extrapola a função do estado numa economia de mercado, de proteger a propriedade privada e dar cumprimento aos contratos, para impedir indivíduos de estabelecerem relações mutuamente desejadas.
O estudo, que será divulgado hoje, também expõe que em diversas situações que a liberdade de agir dos investidores é simplesmente retirada pela regulação do mercado de valores mobiliários por estarem supostamente ausentes certas condições “mínimas” para a correta tomada de decisão.
Diferente do que é praticado em outros países, no Brasil, não é possível fazer IPOs de pequeno porte. A legislação criou um intervalo para ação e companhias de pequeno a médio só conseguem captar por meio do equity crowdfunding.
Chama atenção dos autores o fato de que, empresas que desejem captar recursos no intervalo entre o limite máximo do crowdfunding e os valores mínimos praticados nas ofertas tradicional ficam praticamente excluídas do mercado de capitais. O estudo avalia também que esse comportamento representa perdas líquidas para a economia brasileira, fazendo com que produtos e serviços deixe de existir. Menor crescimento significa menos empregos, menos tributos, e daí por diante.
Por fim, esse estudo aponta que muito se pode avançar no sentido de aumentar o alcance do mercado de capitais, com mudanças regulatórias simples. Seja para atingir maior eficiência econômica em projetos de maior porte, seja para abrir o mercado para empresas de menor porte ou em estágios menos avançados de desenvolvimento, hoje praticamente excluídas desses instrumentos de captação, os formuladores de políticas públicas têm excelentes oportunidades de aprimorar, muitas vezes com medidas bem simples, o arcabouço regulatório em favor de maior liberdade decisória, certamente gerando o efeito desejável de maior crescimento econômico.
Millenum Talks
Na próxima segunda, 20 de junho, os autores do paper participarão de um bate-papo sobre o tema com a CEO do Instituto Millenium, Milla Maia. Será a 8ª edição do Millenium Talks, intitulada Regulação no Mercado de Capitais: problemas e oportunidades. A estreia, será no Youtube do Instituto Millenium, às 20h.