Um dos temas mais desafiadores da civilização contemporânea diz respeito ao justo equilíbrio entre a liberdade econômica e a liberdade política. A efetiva compreensão das relações travadas entre o capitalismo e a democracia é absolutamente fundamental para entendermos o nosso papel humano em um mundo de ritmo frenético, marcado pela pressa de viver, pela incessante busca do efêmero e por intensos prazeres pueris. Se tudo parece vazio, nada melhor do que lançar luzes sobre a inteligência de Hannah Arendt no sentido de que “apenas o bem tem profundidade e pode ser radical”.
Sim, é pela elevação das virtudes da bondade (fazer o bem e ser bom), pela consciência de si e pela preocupação com o outro que voltaremos a dar consistência moral à passagem pela existência. Sem cortinas, as complexas dificuldades do presente voltam a semear mundo afora um discurso político de fechamento nacionalista, que jamais deu certo na história da humanidade. Nessa toada, a estrutura geopolítica mundial passa por um profundo processo de reestruturação sistêmica, modificando o papel hegemônico americano frente às incertezas do bloco europeu e à crescente influência econômica da China.
Aliás, com a queda do muro de Berlim, muitas das estáticas estruturas do pós-guerra também acabaram por ruir. Durante praticamente 20 anos, vivemos uma época áurea de liberalismo e globalização, com expressivo crescimento econômico e redução da pobreza extrema. Todavia, nenhum sistema é perfeito. A crise de 2008, em sua essência, marcou a sobreposição do mercado sobre o poder soberano dos estados, inaugurando uma era de empresas grandes demais para quebrar. Ora, se empresas não podem quebrar, é sinal de que o capitalismo deixou de ser liberal. Eis o atual paradoxo do mercado.
O fato é que estamos diante de um importante hiato institucional. As atuais estruturas do Estado ficaram anacrônicas frente à pujante força dos agentes econômicos e, principalmente, financeiros. A questão não é de simplesmente mais regulamentação ou controle, mas de maior inteligência e eficiência na ponderação dos interesses em jogo. Entre o capitalismo e a democracia, temos que resgatar o firme e seguro caminho da boa política. Afinal, se a má política enterra, só a política bem exercida é capaz de salvar.
Na rota evolutiva da humanidade, os descaminhos, as insuficiências e os escândalos dos atuais sistemas políticos, antes de descrença, devem trazer a convicção de que é possível elevar a vida pública para melhores níveis de decência e moralidade. Não custa lembrar que é na escuridão da noite que o sol joga seus primeiros raios de luz. A face sombria do poder é apenas um dos lados da moeda democrática que encontra nas múltiplas qualidades dos seus bons cidadãos sua grande possibilidade de aperfeiçoamento humano, político, econômico e social.
É através do progressivo engajamento e da participação efetiva dos cidadãos nos destinos de seu país que a democracia surge como fenômeno político integrador e capaz de gerar mudanças reais em nossas vidas. Temos que compreender que o objetivo da corrupção é afastar-nos da política. No entanto, a democracia faz do cidadão um político em sua essência, tornando a participação na vida pública um dever da cidadania. Portanto, enquanto menosprezarmos a dimensão política de nosso espírito, a democracia seguirá sendo praticada de forma primária.
Até quando terceirizaremos nossa inarredável responsabilidade política?
Fonte: Estado de Minas, 07/01/2017.
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