Fui mais de uma vez questionado, no contexto da atual crise europeia, se – dada a profunda recessão enfrentada pela periferia da zona do euro – não seria o caso de esses países buscarem alguma forma de incentivo ao crescimento como, por exemplo, os programas adotados na esteira da crise financeira de 2008/9, caracterizados por forte expansão fiscal.
Minha resposta tem sido invariavelmente a seguinte: “Expansão fiscal é para quem pode, não para quem quer; mas quem pode não quer”.
Já explico. Obviamente, para países como Espanha, Irlanda e mesmo Itália e Portugal, um aumento do gasto público poderia, tudo o mais constante (atentem para essa cláusula), reativar a economia e reduzir a taxa de desemprego.
O único senão é que as demais variáveis têm o péssimo hábito de não se manter constantes ao longo do processo, complicando o problema um bocado.
Na prática, todos os países acima têm encontrado dificuldades na obtenção de recursos para financiar seus níveis atuais de gasto (ou, mais precisamente, dos seus gastos em excesso às receitas).
Enquanto escrevo esta coluna, a Itália precisa pagar um prêmio de risco algo superior a 5% ao ano para convencer investidores a comprar seus títulos, enquanto custa à Espanha ainda um pouco mais (5,5% ao ano) para vender os seus.
Assim, caso resolvessem ampliar seus gastos, enfrentariam complicações adicionais para persuadir poupadores a adquirir seus papéis, sendo obrigados a pagar prêmios ainda maiores.
Todavia, como a taxa de juros dos empréstimos ao governo é geralmente também a menor taxa de juros do país, os efeitos da expansão dos gastos acaba por levar ao encarecimento do crédito, na prática desfazendo, pela via monetária, o potencial impulso que viria pelo lado fiscal.
Há, é verdade, quem argumente que o crescimento da economia resultante do aumento de gastos geraria a receita tributária necessária para financiar tal aumento, mas qualquer economista que dedicar cinco minutos de sua vida à álgebra verificará que se trata de impossibilidade matemática.
Não se trata de maldição genérica. Há países (Alemanha, Reino Unido, EUA) que, mesmo fora da melhor forma fiscal, têm conseguido obter recursos a taxas de juros muito baixas. A taxa de juros real (descontada a inflação) nos títulos de dez anos dos EUA é negativa (algo como -0,5% ao ano); já a taxa para dez anos (sem descontar a inflação) no Reino Unido e na Alemanha é, respectivamente, pouco inferior a 2% ao ano e 1,5% ao ano, menores, portanto, do que a inflação esperada. Posto de outra forma: em dez anos, esses países poderão devolver a seus credores menos do que lhes foi emprestado.
Não há milagre, apenas a percepção de que tais governos, ao contrário daqueles da periferia do euro, não apresentam risco de calote e que, portanto, podem, em alguma medida, elevar seus gastos sem que isso comprometa, pela elevação da taxa de juros, a recuperação da demanda privada.
Do ponto de vista da Europa, pois, se há alguém que possa efetivamente auxiliar na recuperação econômica da periferia (ainda mais levando em conta a profunda integração comercial entre esses países), trata-se da Alemanha.
Dito isso, se declarações mais recentes de autoridades alemãs parecem finalmente demonstrar a percepção de que qualquer solução para a crise europeia passa pela aceleração da demanda interna nesse país (por exemplo, a defesa de aumentos salariais pelo ministro Wolfgang Schäuble e mesmo a aceitação de uma taxa de inflação algo acima da média da zona do euro), ainda estamos longe de ver políticas consistentes no sentido de restaurar as condições de crescimento da periferia.
A hora da verdade para o euro está se aproximando, mas o mundo político ainda não parece ter se dado conta do que está em jogo.
Sem uma política fiscal europeia, não há como sustentar o sonho da unidade monetária.
Fonte: Folha de S. Paulo, 23/05/2012
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