Após a privatização das operações portuárias, a partir da Lei Federal nº 8.630/1993, os portos públicos tiveram sensível aumento de produtividade, praticamente sem expandir seu território, em função da modernização equipamentos e processos.
Essa lei também criou os Conselhos de Autoridade Portuárias (CAPs), que tinham caráter deliberativo e representatividade de todos os entes envolvidos, governamentais, laborais e empresariais (operadores e usuários do porto). Essa composição foi fundamental para uma transição relativamente tranquila, num processo que implicou em substancial redução dos postos de trabalho.
Passados quase vinte anos de sua promulgação, e identificados pontos ainda a implantar ou aprimorar, tudo indicava que o próximo passo seria a regionalização dos portos públicos. No caso do Porto de Santos, a estadualização chegou a ser estudada, em 2002, no final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, porém, foi descartada, no ano seguinte.
Os portos públicos, apesar da privatização das operações, ainda permaneciam limitados pela burocracia estatal, com licitações para serviços e arrendamentos demoradas, frequentemente sujeitas a judicializações, o que também vale em relação a licenciamentos ambientais. Os terminais portuários privativos, definidos pelo Decreto nº 6.620/2008, tinham suas operações restritas a carga própria.
Era preciso ampliar a capacidade do sistema portuário nacional, para atender às demandas do comércio exterior, sobretudo às importações e exportações inerentes ao agronegócio. Porém, ao contrário das expectativas, a Medida Provisória nº 595/2012, posteriormente convertida na Lei Federal nº12.815/2013, tirou o caráter deliberativo dos CAPs, centralizando as decisões do sistema portuário nacional do Governo Federal. De outra parte, ela liberou os Terminais de Uso Privado (TUPs) para operar cargas de terceiros, passando a concorrer diretamente com os portos públicos.
Até então, o CAP de Santos era considerado uma referência nacional, o que justificava a efetiva descentralização, embora mantida a condição de Poder Concedente do Governo Federal e sua prerrogativa de definição de macroplanejamento setorial.
Na época, durante um evento que debateu esse tema, foi perguntado a um dirigente governamental o motivo da frustração dessa expectativa, sendo o Porto de Santos e seu CAP deliberativo tão bem sucedido. A resposta foi que o Governo Federal considerara necessário um “freio de arrumação”, para permitir que outros portos públicos chegassem ao mesmo patamar do complexo portuário santista.
Numa analogia grosseira, isso seria o equivalente a dizer a um aluno ou profissional, que ele não poderia ter seu mérito reconhecido e premiado, pois isso constrangeria quem não tivesse o mesmo empenho, capacidade ou competência. Ou dizer a um atleta que ele evitasse bater recordes, para não chatear outros competidores.
Como no esporte, recordes são metas a serem superadas. Como na aprendizagem, professor é caminho e não limite.
Com essas restrições legais, alguns percalços, inclusive judiciais, e sem ter a as vantagens concorrenciais dos TUPs, os portos públicos de maior relevância “tiraram leite de pedra”. Mesmo assim, a participação do Brasil da corrente comercial internacional tem se mantido algo em torno de apenas 1%, majoritariamente baseada em exportação de commodities de baixo valor agregado, e importação de produtos industrializados.
A desestatização de alguns passou a ser encarada como uma solução que colocaria os portos públicos em condições de competir de forma mais equilibrada com os TUPs. Era uma forma de superar a burocracia, assegurar gestão técnica e capacidade de investimento.
Essa proposta, envolta em polêmicas, foi parcialmente descartada, recentemente, com a privatização limitada a serviços, com as Autoridades Portuárias mantidas públicas.
Essa alternativa, no entanto, precisa definir como serão providenciados novos arrendamentos e expansões, vis a vis da legislação de licitações e ambiental.
O equacionamento não é simples, sem dúvida. Mas, em meio a tantas variáveis influentes, o retorno dos CAPs deliberativos deve ser uma constante, pois é no “chão do cais” que as coisas acontecem.
Mas isso não basta, pois os portos são apenas um elo da cadeia logística. A expansão e melhoria das malhas rodoviária e ferroviária, a viabilização de hidrovias e o incremento da navegação de cabotagem também são parte da solução. Eles igualmente estão sujeitos a licenciamentos ambientais e outros tipos de restrições que têm protelado, onerado, desestimulado e, até, inviabilizado empreendimentos que gerariam milhares de empregos, compensações financeiras e tributos que proveriam mais recursos para programas sociais e ambientais.
Não adianta, portanto, resolver problemas pontualmente. É preciso planejar e agir de forma sistêmica! Para tanto, é preciso que todos os níveis de governo e a sociedade harmonizem seus interesses, em nome do bem comum e do País.
Também é importante investir em educação de qualidade, qualificação profissional, pesquisa científica, produção de patentes e reindustrialização do Brasil, para que a opção de vender créditos de carbono não condene o País à dependência tecnológica de nações desenvolvidas.
Não há dúvida de que a questão ambiental é fundamental e exige ações prementes. Mas é preciso ter visão holística, para avaliar cenários e consequências, e não apenas ser espectador passivo das circunstâncias.
A relação porto-cidade também deve ser proativa, com o planejamento urbano-portuário conjunto, de forma a evitar, solucionar ou mitigar conflitos, inclusive territoriais, como é o caso da ampliação unilateral de poligonais de portos organizados sem a anuência dos municípios.
Trata-se de um desafio que está acima de interesses político-partidários, pois é uma questão estratégica que está em jogo: o desenvolvimento sustentado do Brasil!
Isso deve ser encarado por todos os atores envolvidos, de forma articulada, proativa e colaborativa, superando divergências de qualquer espécie.
Essa permanece a expectativa.