Se na Inglaterra, país da Rainha Elizabeth II, vigora a monarquia parlamentarista, aqui no Brasil, desde a proclamação da República adotou-se o presidencialismo, onde o presidente atua como chefe do Executivo e do Estado, eleito independentemente do Legislativo, sem vinculações como as que acontecem em países que adotam o parlamentarismo. Neste cenário, o administrador do país depende da boa relação com o Congresso Nacional e com diferentes partidos para ter governabilidade e colocar em pauta sua agenda política. É o chamado “presidencialismo de coalização”. No entanto, desde o início do atual mandato de Jair Bolsonaro, a teoria aplicada à prática tem sido um pouco diferente.
Desde as eleições, Bolsonaro adota um discurso de afastamento do presidencialismo de coalização e da “velha política”, atribuída ao Congresso. Seis meses após o início do governo, o Brasil assiste a uma verdadeira disputa entre os poderes Executivo e Legislativo marcada por dificuldades de alinhamento. Com parlamentares resistentes à agenda governamental, o Executivo se vê obrigado a editar uma série de decretos e Medidas Provisórias para por em prática suas ideias, consequência considerada “frágil e instável” pelo cientista político e especialista do Instituto Millenium Leonardo Paz Neves:
“Já não se esperava uma relação forte entre os dois porque, desde o início, o presidente vinha argumentando que a lógica dele seria diferente. Temos visto uma série de eventos que os colocam em oposição, tanto o Executivo e o Legislativo se acusam mutuamente de promover confusão e instabilidade”. Ouça a entrevista completa no player abaixo!
Mas afinal, o que isso significa na prática? Em entrevista ao Imil, o especialista reforça que o alinhamento entre os dois poderes é fundamental para o desenvolvimento da economia e do país:
“Cada casa tem sua função específica. Se eles não se comunicam, o cenário é muito ruim. Assume-se de maneira geral que, no presidencialismo, o presidente governa a partir de uma coalização majoritária, ou seja, se ele tem uma maioria no Congresso, consegue eleger presidentes da Câmara e do Senado que sejam alinhados com sua política, o que aconteceu no primeiro momento com Bolsonaro, pois o partido Democratas estava com ele na eleição e com alguma facilidade se aliaria à agenda do presidente. Seria diferente se o PT ou o PDT tivessem uma coalização de maioria e colocassem um presidente da câmera do PDT ou do PSOL, por exemplo”, explica.
Isso acontece porque uma das atribuições dos presidentes da Câmara e do Senado é justamente pautar a agenda do Congresso. “Se ele não está alinhado com esses dois atores, a pauta política que julga relevante e prioritária começa a ficar mais travada e há uma perda na capacidade de governar. A gente viu isso no último ano do governo Dilma, onde o completo não alinhamento fez com que tivéssemos pautas bombas e o país ficasse basicamente paralisado, findando com o impeachment”.
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Para o especialista, é possível que o Congresso adote um maior protagonismo, embora seja difícil que o Legislativo adote às rédeas da política, visto que as atribuições de cada poder estão bem definidas no país.
A negociação política e a corrupção
Leonardo Paz reforça que considerar as relações entre Executivo e Legislativo como corruptas é um processo de criminalização da política, que é ruim para a democracia e inviabiliza o processo político. “No presidencialismo, essa negociação deveria ser a coisa mais normal do mundo, porque cada um é dono de uma esfera da atividade política do país e, obviamente, os dois teriam que se alinhar para que pudessem funcionar plenamente. A relação fundamental entre Executivo e Legislativo deveria ser basicamente em torno de agenda. Qual é abordagem para desenvolver o Brasil? Como lidar com a educação?”, indaga.
Mas qual é a linha tênue que separa as negociações legítimas de atitudes corruptas? O cientista político explica que a lógica da corrupção envolve circunstâncias onde alguém faz algo para obter benefícios próprios, vota de determinada maneira em troca de vantagens financeiras ou até burla regras para favorecer certas empresas, também na espera de algum retorno.
“A própria lógica de dar cargos de ministério para determinados partidos para aproximá-los da sua base não é em tese um problema. A questão é quando há um loteamento de estatais e ministérios e, se porventura cai um ministro, o presidente não escolhe, mas espera a nomeação do partido sem o menor critério técnico. Alguma divisão de cargos, sobretudo de confiança, é normal e acontece em quase todos os lugares”, explica.