“Ou um mais um é igual a cinco ou então um mais um é igual a onze”, diz um menino para o amigo. “Mas um mais um não é igual a cinco”, responde o amigo. “Então um mais um é igual a onze”, retruca o outro. “Ou distribuímos renda e privilegiamos a inclusão social ou então usamos políticas ortodoxas (neoliberais?) para promover o crescimento”, diz alguém do governo. “Mas políticas ‘neoliberais’ não promovem o crescimento”, responde outro alguém do governo. “Então distribuímos renda”, afirma o interlocutor ou interlocutora.
Acima, dois exemplos de uma falácia lógica, o falso dilema, aquele que vê tudo preto ou tudo branco, sem nuance alguma. O falso dilema permeia o debate brasileiro, dos rolezinhos aos juros, das motivações dos movimentos sociais ao estado da economia. O falso dilema é bíblico. Diz Mateus (12:30): “Aquele que não está comigo é contra mim e aquele que não se une a mim desagrega”. O falso dilema é universal. Diz o New York Times: “O governo brasileiro não perde muito tempo pensando no crescimento como um valor em si, mas, sim, relacionando-o à distribuição de renda e, portanto, dificultando a demissão de trabalhadores de baixa produtividade e controlando o preço da gasolina para que dirigir um automóvel seja mais acessível à população” (Does Brazil have the answer?, de Joe Nocera, publicado em 20/1/2014).
Distribuir ou crescer? Crescer ou distribuir? Distribuir primeiro ou crescer primeiro? Essas questões com cheiro de mofo, mofo de quase meio século, continuam a nortear as escolhas do governo. Deixa-se de lado que para distribuir e crescer é preciso, antes, garantir a estabilidade macroeconômica.
Nos últimos três anos, vivemos de dividendos. Como uma viúva satisfeita, colhemos, ano após ano, os rendimentos de todo o esforço feito e continuado para manter a inflação em xeque. Como uma viúva perdulária, gastamos o provento. O resultado é que a inflação crepita, estala. Mexe e remexe. Solta-se aos poucos das amarras.
Distribuir ou crescer? Pouco importa. Com uma inflação ascendente e pouco previsível, não se consegue nem uma coisa nem outra. A inflação corrói a renda dos trabalhadores e daqueles que têm menos capacidade de se proteger de seus efeitos nefastos, as pessoas que ganham os salários mais baixos. A inflação prejudica o planejamento das empresas e torna tudo mais obscuro e impenetrável. Fica difícil investir sem poder imaginar para onde vão os custos, fica difícil contratar sem saber como será o faturamento. A inflação, se não for contida por políticas que se ajudem mutuamente – a restrição monetária, de um lado, e a contenção fiscal, de outro -, desfaz ganhos importantes alcançados pela população brasileira, como o aumento da mobilidade social observado nos últimos anos e tão alardeado pelo artigo do New York Times. A inflação, afinal, não é um problema nos EUA, não é ela que está na raiz da piora da desigualdade de renda entre os americanos. Por lá, a inflação ficou abaixo de 2% em 2012 e em 2013 – 2% é a meta de inflação do Fed, o banco central dos EUA.
Recentemente, o governo brasileiro parece ter se dado conta da importância do obstáculo inflacionário para os seus objetivos – da reeleição ao legado distributivo, da manutenção do poder à continuação da inclusão social. Ao Banco Central (BC) foi dado o aval para que os juros subam, uma atitude correta, bem-vinda. Contudo, falta o fiscal. Falta enquadrar a política fiscal. O BC não tem como fazer, sozinho, todo o esforço para restringir a inflação. O BC não pode ter uma parte do que faz com os juros desfeita pela leniência do governo com as contas públicas. A deterioração das contas públicas que o governo pensa ser invisível.
Imaginem uma criança precoce, com gosto pela lógica. Ela pensa: “Os átomos são invisíveis e tudo é feito de átomos, inclusive o meu corpo. Logo, meu corpo é invisível”. Essa criança, infelizmente, jamais conseguirá vencer um jogo de esconde-esconde. A pobre sofre de uma ardilosa falha lógica, a falácia de composição. Tal qual o governo brasileiro com a política fiscal.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 24/01/2014
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