Cadê o “pensamento estratégico” ? Cadê o “plano de ação” que nos governe em direção ao futuro? Sabemos tudo o que não queremos ser, mas quase nada daquilo que queremos ser. Ninguém é capaz de apontar caminhos seguros sequer para evitar que sejamos aquilo que não desejamos ser. Se o Brasil fosse um transatlântico, diria que navega à deriva, pois os comandantes perderam os mapas de navegação e a bússola. São obrigados, portanto, a confiar que a energia que vem da casa de máquinas será suficiente para levar a embarcação a porto seguro. Oremos, pois.
Os números do IBGE são claros: daqui a 50 anos seremos um país de velhos. Seria necessário, portanto, que decidíssemos agora, com clareza, o que queremos ser daqui a 50 anos, se um país de velhos pobres ou de velhos ricos, segundo nos adverte o consultor empresarial Luiz Marins. Se nada se alterar em nossa velha política, essa trajetória vai-se parecer, também, com um trem-fantasma: a cada curva, um tremendo susto.
O que faremos para combater os nossos, já elevadíssimos, índices de corrupção? Não há como combatê-la se não combatermos suas causas. O filósofo Roberto Romano, da Unicamp, tem nos dito que a causa principal é a centralização de recursos e poderes na União. Diz que os municípios vivem à mingua e os prefeitos tratam de eleger deputados e senadores para trazer de volta, para a construção de pontes e escolas, parte do dinheiro que foi parar nos cofres da União. Nesse vai e vem do dinheiro, muita coisa é desviada.
As propostas estão aí fragmentadas entre academias, ongs e ocips. E não aparece um líder político verdadeiro que seja capaz de juntá-las. O que queremos no campo da energia? Ao que tudo indica, a barbaridade de Fukushima não teve peso suficiente para nos afastar da matriz nuclear, embora, como diz o físico José Goldenberg, essa matriz não seja segura e o Brasil não precise dela.
O que queremos para a educação? Os empresários tocam o programa Todos pela Educação, mas nada daquilo que propõem com acerto reverbera sobre o sistema político e é capaz de produzir alterações de fundo no sistema educacional.
O que queremos para a saúde e a previdência? O setor privado tem propostas, como aquela de matarmos o atual sistema e iniciarmos a construção de uma outra Previdência a partir dos novos contribuintes que começam a entrar agora no mercado de trabalho formal. É mais uma proposta que fica por aí jogada às traças sem que ninguém a examine ou decida, se coerente, colocá-la em prática.
Não temos um pensamento estratégico para quase nada, nem para segurança, nem para ciência e tecnologia, nem para as micro e pequena empresas, nem para a remodelação do sistema tributário, nem para reforma do sistema político, justiça, etc. Pelo que comunica ao chamado grande público, também o Partido Verde não passa de um partido ambiental, pois não consegue propor nada com a abrangência da própria sustentabilidade.
Faltam, na verdade, estadistas na vida política brasileira contemporânea. Só os estadistas conseguiriam neste momento reunir as propostas pulverizadas pelo país real e organizar um pensamento estratégico que indicasse caminhos e metas a serem perseguidos daqui para a frente.
Vejam o caso do José Serra. Em mais uma candidatura à presidência da República sequer apresentou à nação uma proposta de governo com começo, meio e fim. Limitou-se a registrar no TSE, por exigência legal, cópia de alguns discursos com temática tão dispersa que não chegam a consubstanciar um todo. Durante a campanha (2010) chegou a lançar um site para que o público postasse nele idéias estratégicas para a administração do Brasil. Não consta que ele tenha incorporado ao discurso de campanha pelo menos uma das idéias que o site lhe ofereceu.
O trabalho de propor um plano de ação estratégico para o Brasil talvez coubesse a Fernando Henrique Cardoso. Confinado na penumbra do sistema político por iniciativa do próprio partido, FHC não chegou a ensaiar um só passo nessa direção. Preferiu dedicar-se ao longo do tempo ao estudo da legalização da maconha. Vive a trocar insultos com seu eterno adversário, o ex-presidente Lula, numa ladainha que se tornou insuportável.
De modo geral, as lideranças políticas brasileiras vivem o que poderia ser chamado de “síndrome eleitoral” e se submetem à onda avassaladora dos interesses partidários imediatos, pois sabem que vai uma eleição e vem outra, num processo que escraviza todas as atenções. Não temos como esperar, é evidente, que a iniciativa de desenvolver um pensamento estratégico para o Brasil venha do novo, adesista e asséptico, partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
Vejam também o caso do ex-presidente Lula. Fez um governo – bastante longo, por sinal – exitoso, tanto que saiu com um índice de aprovação popular nunca antes visto na República. O que o país esperava dele nesta fase de pós-mandato? Simples: que sepultasse em definitivo suas pinimbas com FHC, pairasse acima dos partidos e fosse em busca de interlocutores, oposicionistas e situacionistas, acadêmicos e empresários, de todas as pessoas que pudessem ajudá-lo a compor o tal projeto com começo, meio e metas a serem atingidas nos vários campos estratégicos. Mas o que ele faz? Tem demonstrado que saiu do governo mais petista do que quando entrou. O que pensa Lula? O que o preocupa? O que ele quer? Quer o regime de partido único à moda Hugo Chavez? Talvez. Quer voltar ao poder daqui a quatro anos? Talvez. Não se pode mais esperar que Lula se liberte da síndrome eleitoral que o atacou desde o nascedouro na militância sindical do ABC.
Aécio Neves? Geraldo Alckmin? Já é evidente que ambos começam a agir simplesmente em função do pleito do próximo ano e daquele outro, mais importante, a acontecer daqui a menos de quatro anos.
Oxalá as lideranças políticas consigam compreender, com atraso, que acima dos interesses eleitorais, acima do poder transitório, acima da fama, do reconhecimento público, do dinheiro fácil, existe um país que precisa achar – e com pressa – o caminho mais seguro a trilhar neste século de grandes transformações. Em outras palavras, tomara que alguma liderança política consiga migrar da condição de simples operário de um partido para a de estadista, pois só os estadistas conseguem olhar para o futuro a alguns palmos acima da linha do horizonte e perceber que não se constrói um país sem pensamento estratégico e nem uma democracia duradoura sem equilíbrio entre oposição e situação.
Tancredo Neves talvez tenha sido nosso último estadista. Sua vitória no Colégio Eleitoral já estava consolidada quando começou a enviar recados às “aves migratórias” que tentavam descolar-se da candidatura Paulo Maluf e, na última hora, mudar de lado:
– Sei que vocês me apóiam – dizia Tancredo – mas fiquem onde estão. Se anunciarem que estão comigo, o Maluf pode renunciar e se ele renunciar a pouca legitimidade do Colégio Eleitoral vai embora pelo ralo.
Quer dizer, Tancredo Neves, como estadista que era, tinha consciência plena que a governabilidade vem da legitimidade e esta vem normalmente das urnas, mas passa a depender sempre de vários outros fatores, como o da existência de oposição em regime de equilíbrio, da liberdade da imprensa e do grau de apoio que a população empresta aos atos dos poderes constituídos. Não foi por acaso, portanto, que Tancredo pensou na organização de grandes comícios que pudessem dar respaldo popular à sua candidatura através daquele mecanismo próprio do regime militar. Ulisses Guimarães diria que Tancredo usou o veneno da cobra para matar a própria cobra.
Quem conhece a trajetória de Tancredo Neves há de convir que ele nunca permitiu que os interesses partidários e regionais ofuscassem as suas preocupações com os grandes temas do país – justiça, educação, desequilíbrios sociais e, principalmente, a construção da democracia. Foi considerado a seu tempo um grande pacificador nos conflitos que se constituíam em ameaças aos direitos intangíveis dos cidadãos. Sua coerência transformou-o naturalmente no maior líder da campanha por eleições diretas para a presidência da República. Em seguida, foi o primeiro a considerar que era preciso levar a reverberação desse movimento, de grande alcance popular, para dentro do Colégio Eleitoral.
O momento, portanto, é de buscar inspiração em Tancredo Neves e agir em sincronia com os interesses maiores da nação, os quais nem sempre guardam identidade com os interesses transitórios de partidos contaminados por muito fisiologismo.
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