Ativista cuja prisão deflagrou revolta líbia diz haver evidências para julgamento internacional
A Tunísia teve o seu mártir: o desempregado Mohamed Bouazizi, que ateou fogo ao corpo, desencadeando uma revolução que fez cair um ditador em alguns dias. A Líbia também tem seu herói, mas este está vivo: o advogado e ativista de direitos humanos Fathi Terbil, pai de seis filhos e defensor das famílias de 1.200 vítimas do massacre na penitenciária de Abu Salim, em 1996 — um dos crimes mais brutais cometidos por Muamar Kadafi. Foi o anúncio da prisão de Terbil, no dia 15, em Benghazi, que desencadeou a revolta na Líbia. Em entrevista ao GLOBO, no Tribunal de Benghazi, enrolado na bandeira líbia da época da monarquia, ele confirmou que pessoas foram executadas e jogadas em buracos, como noticiou “O GLOBO”, e disse já ter provas suficientes para condenar Kadafi por crime contra a Humanidade.
O GLOBO: Como começou a revolta em Benghazi?
FATHI TERBIL: No dia 15, os advogados e ativistas de direitos humanos haviam se reunido para reivindicar que o governo parasse com os crimes de direitos humanos contra o povo. Mas o governo nos forçou a parar, e isso revoltou os jovens. Eles explodiram, e começou a batalha.
Há dez dias, o senhor imaginava que a Líbia chegaria ao ponto atual?
TERBIL: A maioria dos líbios tem algo em comum: detesta Kadafi. Mas, durante todos estes anos, ninguém podia falar isso. Estavam todos com medo. No dia 17 de fevereiro, quando as pessoas resolveram sair às ruas em protesto, ainda estavam com medo. Mas quando as forças do governo começaram a atirar, eles não tiveram outra opção a não ser lutar por sua liberdade.
O massacre da prisão de Abu Salim, em 1996, foi o episódio que mais marcou a população, não?
TERBIL: Foi um crime contra a Humanidade. Mataram 1.200 pessoas em questão de horas. A maioria das pessoas era aqui de Benghazi, e eram inocentes. Depois, as enterraram numa vala comum e cobriram com cimento. Anos depois, quando o regime de Kadafi tentou melhorar sua imagem, abriu o lugar, mas antes tirou os corpos, que hoje estão em lugar desconhecido. Ninguém diz onde.
Qual é a sua principal preocupação em relação à Líbia neste momento?
TERBIL: Queremos nossos direitos e queremos um Estado de direito na Líbia. Esperamos que depois (da queda) de Kadafi, conquistaremos isso.
Se Kadafi cair, o senhor espera descobrir outros massacres? Já começou a coletar dados?
TERBIL: Estamos coletando depoimentos e muitos dados das famílias de vítimas de Kadafi, e imaginamos que vamos descobrir muitos outros crimes.
E os buracos no campo do Exército de Benghazi, de onde foram tirados corpos? O que sabe sobre isso?
TERBIL: Estamos investigando isso neste momento. Descobrimos que soldados que desobedeceram as ordens para matar (os manifestantes) civis foram queimados. Mas isso é só uma parte da história: eles foram queimados vivos!
O corpos carbonizados eram, então, destes soldados?
TERBIL: Sim, eles pagaram por terem desobedecido as ordens.
O senhor tem material suficiente para levar Kadafi a uma corte internacional?
TERBIL: Já nas primeiras coletas de dados, temos provas suficientes para ele ser julgado por crime contra a Humanidade.
De quantas famílias vocês já coletaram testemunhos ou informações?
TERBIL: Não posso lhe dizer o número, mas digo que cada pessoa, cada família e também os feridos estão fornecendo informações. Temos vários depoimentos sobre pessoas que estavam jogando pedras, foram capturadas, executadas e jogadas em buracos.
Quantos juízes e advogados estão envolvidos neste esforço de coletar dados?
TERBIL: Todos os advogados de Benghazi estão investigando esses casos, à exceção daqueles que ainda são a favor do governo de Muamar Kadafi.
Muitas pessoas em Benghazi acham que o senhor é um herói e que a revolução começou por sua causa. Como se sente?
TERBIL: Não, não sou e nem quero ser herói.
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