“Quem apostar na inflação vai perder”. Assim, o então ministro Mário Henrique Simonsen admoestou aqueles que acreditavam na alta da inflação, na esteira do segundo choque do petróleo, então nosso principal item de importação. O ano era 1979. Em que pesem as impecáveis credenciais do ministro, sua advertência não teve mais efeito do que as de outros que o seguiram no cargo: a inflação, que em junho de 1979 acumulava 45% em doze meses, um ano depois já estava em 84%; e, cinco anos à frente, beirava os 200%.
Simonsen deixou o governo em agosto de 1979, defendendo uma política de contenção de gastos e controle do déficit externo, o que exigia uma desaceleração da economia, proposta que não sensibilizou o presidente Figueiredo, que se alinhou com a ala desenvolvimentista do governo. Após a saída de Simonsen, o governo tirou o pé do freio e pisou no acelerador: o Produto Interno Bruto (PIB), que aumentara 5% em 1978, subiu 6,8% em 1979 e acelerou em 1980, quando cresceu 9,2%. Além de a inflação quase dobrar, isso aumentou o déficit em conta corrente em 1,7% do PIB – sempre nos doze meses findos em junho – piorando a crise de financiamento externo que veio em seguida.
Não foi a primeira vez que a relutância em segurar temporariamente o crescimento para baixar a inflação prejudicou o desenvolvimento do país. Algo semelhante ocorreu em 1974, depois que a alta dos preços das importações, em especial do petróleo, jogou o déficit em conta corrente e a inflação para cima. A economia brasileira já vinha superaquecida, inclusive pela política monetária expansionista de 1973, e a resposta a esse choque deveria ter sido reduzir o crescimento e desvalorizar o câmbio. Em vez disso, se decidiu combater a alta dos preços e os gargalos externos aumentando a oferta, via investimentos subsidiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), numa nova rodada de substituição de importações.
Não foi a 1ª vez que a relutância em segurar o crescimento para baixar a inflação prejudicou o desenvolvimento do país.
Pode-se argumentar que a decisão de 1974 tinha uma inspiração maior, de criar condições para um gradual retorno à democracia, em um contexto em que a linha dura das Forças Amadas ainda tinha poder para abortar esse processo, se fosse capaz de embalar seus argumentos na bandeira de que a redemocratização comprometia o crescimento. Mas a visão desenvolvimentista, de que crescer mais rápido justifica “um pouco mais de inflação” e que esta se resolve aumentando o investimento, em vez de segurando a demanda, também teve influência. Em 1979, quando o quadro político era mais favorável, o viés “desenvolvimentista” foi ainda mais importante.
É interessante contrastar a resposta desenvolvimentista com as reações mais ortodoxas a esses mesmos choques. Em 1974-75, o mundo entrou em recessão, com o PIB global expandindo 2,3% ao ano, contra 6,2% no biênio anterior. O Brasil, que, na visão oficial da época, era uma ilha de tranquilidade em um mundo em crise, cresceu 6,7% ao ano, em média nesse biênio. Para financiar esse crescimento fomos aumentando nosso déficit externo que, em que pese a gradual recuperação dos termos de troca até 1977, gerou a elevada dívida que nos anos 1980 nos levaria à crise de financiamento externo e a perder quase duas décadas de crescimento.
A comparação com a Coreia do Sul também ilustra a diferença de estratégia. Em 1979, Brasil e Coreia do Sul registravam grande dependência do petróleo importado, elevados déficits em conta corrente e dívidas externas expressivas. Os dois países sentiram, portanto, o segundo choque do petróleo e o aperto monetário nos EUA. O Brasil tinha então um PIB per capita, em paridade de poder compra, 20% acima do coreano. Em 1980, a Coreia empreendeu um forte ajuste, freando firme a demanda doméstica, em resposta a esses choques externos. O PIB coreano caiu 1,5% esse ano. A inflação subiu, de 18% para 29%, com a alta do preço dos combustíveis, mas cinco anos depois era de 2%. O Brasil, como se viu, pisou no acelerador. Trinta anos depois, nosso PIB per capita é um terço do coreano.
A visão desenvolvimentista, de que a demanda cria sua própria oferta e que “um pouco de inflação” é só uma turbulência transitória que não justifica “derrubar” o crescimento para ser combatida, manteve-se viva e influente, mesmo com a aceleração da inflação nos anos 1980. Ela ajuda a entender, por exemplo, o fracasso do Plano Cruzado.
A experiência mostra, porém, que o desenvolvimento não se alcança expandindo a economia além do que permitem as restrições de oferta, mas sim com crescimento sustentável e continuado. Nesse processo, a inflação não é só a temperatura alta que sinaliza haver algo de errado com o organismo econômico, mas também um fator que o debilita, aumentando a incerteza e desestimulando o investimento, o grande limitante ao nosso crescimento.
Declarações de efeito sobre o combate à inflação são um esforço de moldar expectativas e, claro, são válidas. Como mostrou a nossa história, porém, elas se tornam mais recorrentes exatamente quando os fundamentos, que deveriam fazer esse trabalho, não são bons. Não por outra razão, elas raramente surtem efeito.
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2011
Porque as pessoas,principalmente os economistas, relutam em aceitar que a inflação é provocava pelo proprio governo e consiste na emissão de donheiro de papel sustentado pelo vento, ou seja, pela emissão de dinheiro fraudulento sem “lastro”? Dinheiro é um fenômeno de mercado. Não poe ser emetido pelo governo qualquer que seja a razão. A inflação é estelionato governamental. Se o governo quer combater a inflação,basta parar com a impressão de moeda.
Gosto do que voçê escreve.