Suspeita-se que nem o quarto presidencial do Palácio do Catete, antiga residência de Getúlio Vargas na capital fluminense, seja mais mal assombrado que o Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj. É lá que os fantasmas se divertem embalados pela total ausência de meritocracia e responsabilidade com o dinheiro público. É de arrepiar. Com um total de 5.500 funcionários (além dos 70 Deputados!), sendo 4.226 (76%) comissionados e 1.274 concursados, a folha de pagamento da Casa legislativa combina funcionários fantasmas, indicações familiares e nomeações inaptas cujo único crivo é o fortalecimento de interesses pessoais e eleitorais daqueles que deveriam representar a população. E o custo é alto: como destacou “O Globo” nesta semana, o orçamento da Alerj em 2019 prevê pela primeira vez na história mais de R$ 1 bilhão apenas para folha de pagamento.
Atualmente, cada um dos 70 deputados estaduais do Rio pode ter à disposição 20 vagas associadas a seu gabinete que podem ser desmembradas em até 63 postos de trabalho. Ou seja: cada parlamentar comandaria o equivalente a uma empresa de médio porte de dentro da Alerj, estrutura mais que suficiente para uma legislatura de altíssima eficiência. O que acontece, na prática, é que os cargos de livre nomeação e exoneração, os comissionados, contrariando a Constituição e o entendimento do STF de que só poderiam ser ocupados em postos de chefia, diretoria ou assessoramento, representam um verdadeiro criadouro de corrupção. Para amenizar a irresponsabilidade, a partir de fevereiro, decisão da Mesa Diretora da Casa reduziu o número máximo de cargos disponíveis por deputado de 63 para 40. A medida, além de pouco eficiente, não enfrenta o cerne da questão: funcionários comissionados não precisam prestar contas ou sequer preparar relatórios de suas atividades.
A situação fica ainda mais assustadora quando os números da presidência da Casa são analisados. A função, ocupada ultimamente por nomes como o de Jorge Picciani (PMDB) e Paulo Melo (PMDB), ambos presos por corrupção, tem à sua disposição 231 cargos comissionados, número maior que os da Câmara, Senado e Alesp somados, como denuncia matéria do jornal “O Globo”. O gasto com esse elefante branco estatal chega a R$ 865 mil por mês. A reportagem destaca a incoerência da estrutura: “Enquanto a presidência da Casa tem 231 pessoas lotadas, a corregedoria tem seis e o conselho de ética, três. Menos do que o departamento odontológico, o departamento de bens patrimoniais, o departamento de assistência médica e o departamento de transportes”.
O resultado de tamanha leniência e permissividade com a má administração pública estampa as páginas de todos os jornais. Somente a Procuradoria da Casa têm 42 servidores investigados de serem fantasmas, ao mesmo tempo em que parlamentares são acusados de nomear assessores para funções de fachada, como é o caso do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. O mecanismo é simples: exercendo uma função que sequer deveria existir, o funcionário repassa parte de seu salário (dinheiro público, é sempre bom lembrar) para o parlamentar que o nomeou. O caso Queiroz é ainda mais emblemático, tendo o ex-policial indicado sete funcionários da Alerj, incluindo sua esposa e filha.
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) revelou que gabinetes na Alerj possuem até quatro assessores da mesma família, frequentemente responsáveis por movimentações financeiras suspeitas. O chefe do gabinete do deputado preso Luiz Martins (PDT), José Eduardo Magalhães da Silva, mantinha três de seus filhos como assessores do mesmo gabinete. De acordo com o Coaf, apesar de seu salário ser de R$ 30 mil, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 Magalhães da Silva movimentou quase R$ 1,5 milhão.
O show de horrores não para. Atualmente, 27 deputados e 75 assessores são investigados pelo Ministério Público por improbidade administrativa na Alerj, cenário que poderia ser evitado caso a estrutura estatal aprimorasse os mecanismos de fiscalização de folhas de ponto dos assessores, investindo em transparência e exigindo práticas de boa gestão. O mais urgente, porém, continua sendo o fim do elevado número de cargos comissionados, medida que diminuiria os casos de corrupção e a consequente abertura de grandes investigações que também custam caro para o contribuinte. Não é o caso. O gasto com o pagamento de servidores na Alerj segue batendo recordes em um estado que, do fundo do poço fiscal, poderia ter um orçamento mais flexível e eficiente.
Realidades como essa refletem diretamente na população, não apenas no bolso do contribuinte, mas na insatisfação com a coisa pública. O instituto Transparência Internacional divulgou nesta terça-feira o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) 2018 e os resultados não são animadores. Se comparado ao ano anterior, o país caiu nove posições, ocupando agora a 105ª colocação entre 180 países, dado que revela a insuficiência do combate à corrupção nos últimos anos. A solução, de acordo com a instituição, passa pela aprovação das Novas Medidas Contra a Corrupção, projeto elaborado pela sociedade civil que conta com apoio de quase meio milhão de brasileiros.
São iniciativas desta natureza e a constante fiscalização e pressão das pessoas nas redes sociais que podem contribuir para um ambiente institucional mais saudável. Na Alerj, o início do ano legislativo semeia a esperança nas escolhas efetivadas nas urnas em outubro. Com 51% da Casa renovada a partir de fevereiro, espera-se que novos deputados, muitos deles eleitos pela primeira vez, exorcizem seus fantasmas e, na hora de fazer a mudança, deixem seus cabides para trás. O povo fluminense está cansado desse filme de terror.