Pelas manifestações de autoridades de alguns países emergentes, muitos estão vendo o fim do super-ciclo de commodities como uma “benção disfarçada”. A crença é que a queda de preços de commodities e, portanto, dos termos de troca, e a consequente depreciação das moedas em curso poderá ajudar a diversificar a estrutura econômica dos países, de forma a reduzir a dependência destes na exportação de commodities. Esse anseio vai ao encontro das evidências que economias mais diversificadas e com maior complexidade na estrutura produtiva crescem mais no longo prazo. Fatores de produção migrariam dos setores produtores de commodities para a manufatura. Mas como garantir isso?
Ainda que a dependência do Brasil em commodities seja modesta em comparação a outros emergentes, como Chile e Colômbia, para citar os mais próximos, houve de fato uma maior concentração da pauta exportadora na década passada, sem falar do sensível aumento da penetração de importações, afetando a indústria nacional.
A depreciação cambial poderá trazer benefícios ao longo do tempo, ajudando a compensar em parte os gargalos estruturais. Mas nem de perto o câmbio é solução. Câmbio depreciado não seria condição necessária, muito menos suficiente, para resgatar a indústria. Pode ser um auxiliar no médio prazo, mas incapaz de garantir benefícios de longo prazo. E mesmo em um horizonte de tempo mais reduzido, seu benefício para estrutura produtiva depende de outros fatores.
Para que o câmbio seja algo positivo é crucial que as economias dos países tenham flexibilidade. Flexibilidade de resposta da oferta. Infraestrutura adequada, ambiente regulatório saudável, eficiência na intermediação de recursos financeiros, capital humano e flexibilidade do mercado de trabalho são exemplos de importantes fatores para a capacidade de reação da oferta.
[su_quote]Para que o câmbio seja algo positivo é crucial que as economias dos países tenham flexibilidade[/su_quote]
Além disso, é necessário que variações da taxa de câmbio de fato produzam ajustes de preços relativos. Se a depreciação cambial se traduzir em aumento proporcional da inflação, o efeito final será nulo, pois a taxa real de câmbio se manteria constante. O sinal de preços relativos necessário para a mudança da composição da oferta não ocorreria.
Certamente, disciplinas monetária e fiscal são essenciais para que o repasse do câmbio a preços se circunscreva a reajustes de preços de bens comercializáveis (cujos preços dependem diretamente da variação cambial), não contaminando os preços de bens não comercializáveis (cujos preços dependem mais condições de demanda) e salários.
Assim, a moeda menos valorizada pode beneficiar a produção industrial doméstica, mas não necessariamente isso ocorrerá. Se os emergentes, após uma década de avanços estruturais limitados durante a bonança, mantiverem postura leniente, apostando que o câmbio resolverá tudo, estarão incorrendo em um segundo e grave erro.
Do lado estrutural, as limitações no Brasil são evidentes, e avanços tendem a ser lentos. A retomada de agenda de reformas tornou-se essencial nestes tempos difíceis. No médio prazo, no entanto, é possível algum benefício do câmbio, sendo que uma variável-chave é a flexibilidade do mercado de trabalho. Quanto maior a flexibilidade de salários para baixo, melhor será para a capacidade de reação da oferta. Em outras palavras, salários em dólar precisam cair no Brasil.
Política econômica conservadora e o arrefecimento do mercado de trabalho em curso certamente contribuem para materializar esta necessária queda de salários reais. Apesar disso, o desafio é particularmente grande no atual momento.
O ano de 2015 está sendo marcado por inflação bastante elevada, acima de 8%. Como há fatores transitórios afetando a taxa de inflação, notadamente as tarifas públicas, é amplamente esperada uma descompressão em 2016. Atualmente, as expectativas inflacionárias estão em 5,6% para o próximo ano. Ainda elevadas, tendo em vista a meta de 4,5%, mas com um recuo importante.
Ocorre que se os ajustes salariais este ano tiverem como referência a inflação deste ano mais elevada, isso significará aumento expressivo dos salários reais tendo em vista a inflação futura mais baixa, o que é má notícia. Neste caso, ficaria mais difícil a taxa de câmbio mais elevada compensar o aumento de custo do fator trabalho.
A formação de preços, grosso modo, deveria ser movida pela expectativa inflacionária, e não pela inflação passada. Esquemas de indexação, formal ou informal, podem se mostrar particularmente nocivos para o ajuste de preços relativos em um quadro de desinflação. No final, a própria desinflação esperada ficaria parcialmente comprometida.
Quanto maior o esforço agora, maior o benefício adiante. Precisamos ampliar o horizonte.
Fonte: Broadcast, 24/4/2015
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