Os dados do Censo Escolar 2017 escancaram uma triste realidade: um em cada dez estudantes da rede pública não consegue concluir a alfabetização. Isso quer dizer que 11,6% dos alunos são reprovados quando chegam no fim do terceiro ano do ensino fundamental. Esse número passa para 11,1% na 9ª série e, no ensino médio, mas de 28% dos adolescentes já ultrapassaram a idade ideal para se formar no colégio. Os dados refletem a lamentável situação da educação brasileira, que sofre com os mais variados problemas crônicos.
De acordo com João Batista Araújo e Oliveira, especialista do Instituto Millenium e presidente do Instituto Alfa e Beto, os dados mostram que o ensino é muito fraco no Brasil e que a alfabetização ainda não foi equacionada no país. Isso se dá por inúmeros motivos, entre eles, o fato de termos um currículo pouco exigente e muito amplo, a falta de uma cultura escolar para gerar um clima acadêmico, sério e instigante para os alunos, e também a formação dos docentes, que não é adequada.
“Nos países onde a educação funciona, os professores são recrutados entre os 30% melhores alunos do ensino médio. No Brasil, eles são escolhidos entre os 10% piores, pois há incentivo para isso. Um estudante de baixa renda, por exemplo, com menos de 400 pontos no Enem, pode ganhar bolsa para ser professor. O país não tem política de atrair pessoas de alto nível para o magistério. Enquanto isso não acontecer, todas as medidas do governo serão paliativas, pois não haverá como oferecer um ensino de qualidade”, analisa.
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Outra questão curiosa do Brasil é o altíssimo nível de reprovação em massa. Batista diz que os índices variam entre as diferentes localidades brasileiras, no entanto, mostram que, quanto pior o desempenho da escola e da região, mais alto é o número de alunos reprovados. A incidência também é elevada no terceiro ano, quando descobrem que o estudante não foi alfabetizado, e no sexto, que marca o início de um novo ciclo na vida escolar. Segundo o especialista, o instrumento é uma distorção nas unidades de ensino, através do uso incompetente do poder da escola, que não consegue ensinar adequadamente os jovens. Batista explica também que o país possui um fator ideológico muito forte, que impede os educadores de verem algumas questões com clareza:
“No Enem, por exemplo, as pessoas são forçadas a pensar sobre certos temas, ao invés de pensar simplesmente, como deveria ser uma proposta mais libertária de educação. Na discussão da base nacional, existe um grupo de pesquisadores que participam da comunidade científica internacional, e nenhum deles conseguiu ser ouvido. Esse peso e hegemonia ideológica impedem até mesmo o exercício do diálogo”.
O especialista salienta que o problema do ensino não está apenas na escola pública, mas também da rede privada de ensino, e afirma que, ainda que os recursos investidos sejam altos, faltam políticas sérias e reais. “Se você deixar os alunos de Cingapura participarem do Enem, eles levariam quase todas as vagas. Mesmo as elites brasileiras que vão para as escolas particulares têm um desempenho muito aquém dos países mais desenvolvidos. No momento, precisamos escolher um presidente que topasse congregar forças e começar pelo princípio: o que é a escola, qual é o papel do governo federal, como começar uma estratégia de recrutar e formar pessoas de bom nível no magistério. Um líder para mobilizar todos em torno dessa ideia e o mesmo poderia ocorrer nos estados também”, defende.