The Independent Institute, 15 de junho de 2006
A Copa do Mundo é o melhor evento esportivo do planeta: ela desrespeita as hierarquias tradicionais e é um potente solvente de barreiras nacionais.
Mesmo em seus estágios iniciais, a presente Copa do Mundo confirma que os países com pequenas economias e escassa influência geopolítica podem enfrentar os grandes poderes. Trinidad e Tobago, um país de pouco mais de 1 milhão de pessoas e um PIB de apenas 13 bilhões, conseguiu um empate contra a Suécia, que é aproximadamente 30 vezes mais rica e tem longa história no futebol. O Equador, que participou apenas uma vez de uma Copa do Mundo anteriormente, bateu a Polônia, um time com uma poderosa história que foi líder durante suas participações na Europa. Sem mencionar a Costa do Marfim, agora uma estrela da Copa.
A Copa do Mundo tem tudo a ver com mobilidade “social”: o sucesso vem da iniciativa e criatividade, e não do planejamento político ou do poder econômico. Os Estados Unidos ou a China podem dominar eventos internacionais nos quais a concentração de recursos no desenvolvimento de potencialidades físicas estimula a competitividade (como nas Olimpíadas). Mas no futebol, o melhor time do mundo – Brasil – deve pouco ao poder atlético e muito ao talento individual e à coordenação espontânea coletiva (facilitada por certos traços culturais).
Muitos recém-chegados causaram impacto nas últimas décadas. A derrota da Alemanha Ocidental para a Argélia em 1982, a ida de Camarões para as quartas-de-final em 1990, a subida da Croácia para os quatro melhores em 1998, a vitória do Senegal sobre a França em 2002, e a presença do Togo na Alemanha 2006 confirmam a natureza instigante e iconoclasta do futebol, um jogo no qual o “poder” está além do controle de qualquer nação ou cartel.
Branko Milanovic, autor de um estudo sobre futebol para o Carnegie Endowment for International Peace, diz: “Nas últimas quatro Copas do Mundo, havia sempre, pelo menos, duas novatas entre as oito equipes nacionais superiores”. De acordo com seus estudos, a diferença média entre equipes nacionais foi reduzida a um gol.
Dois fatores explicam por que a Copa do Mundo se tornou tão competitiva: a mobilidade livre dos jogadores através das fronteiras nacionais e da natureza comercial dos clubes de futebol. Até os anos 90, a Europa e a América Latina limitaram severamente o número de jogadores estrangeiros que suas ligas nacionais podiam empregar. Em muitos países hoje, não há limite. A nação-estado foi quase abolida pela liga futebolística. Clubes na Itália, Espanha, Inglaterra e Alemanha apresentam um número esmagador de jogadores estrangeiros. Na Inglaterra, a maioria dos jogadores do Chelsea são estrangeiros, e fãs que definem sua identidade através de suas equipes de futebol, não se importam. O Barcelona FC, clube número 1 no mundo, não seria nada sem Ronaldinho do Brasil, Samuel Eto’o de Camarões, Deco de Portugal e Lionel Messi da Argentina.
Os jogadores levam para casa habilidades aprendidas através de seu contato com atletas de outras nacionalidades. Costa do Marfim, que tem metade do seu time jogando na liga francesa, está produzindo futebol de nível mundial. Os Estados Unidos, que ao contrário do resto do mundo evitou o futebol (uma exportação do império britânico) por muito tempo, tem melhorado, em parte pelo fato de oito dos 11 jogadores de seu time iniciante estarem baseados na Europa. O técnico da Alemanha, Juergen Klinsmann, vive na Califórnia e tem ousado importar gerência e técnicas de preparo físico americanas, causando um alvoroço nacional.
O outro fator nesta globalização do futebol é a metamorfose dos clubes em empresas comerciais. Programas de MBA em universidades espanholas agora oferecem estudos de caso sobre como o Barcelona FC tem funcionado desde 2003. O clube foi da bancarrota iminente à produção de 240 milhões de euros no rendimento, após investir 100 milhões de euros em jogadores internacionais. O Manchester United da Inglaterra está listado na bolsa de valores de Londres e o Chelsea foi adquirido pelo magnata Roman Abramovich, que foi perseguido na Rússia por ter sido um dos “oligarcas” que enriqueceram durante a era da privatização após o colapso da União Soviética. Através da venda de ingressos, direitos televisivos e merchandising de produtos dos clubes, estas entidades de negócios têm levado o futebol a um novo nível (com fãs na Ásia e na América Latina, o merchandising do Barcelona FC se expande por dúzias de nações).
Nada disso significa que a corrupção não vá manchar o futebol de tempos em tempos, como recentemente ocorreu na Itália com o futebol nacional envolvido em jogos marcados. Mas isto tem mais a ver com a natureza do ambiente político, e não com a natureza do futebol.
O que resta para o futebol se tornar totalmente global e ainda mais competitivo é a FIFA, a corporação administradora mundial, eliminar as regras que proíbem times nacionais de usarem jogadores estrangeiros em eventos internacionais como a Copa do Mundo. Isso conseqüentemente acontecerá.
Alvaro Vargas Llosa
Tradução: Cristina Camargo e Paulo Gontijo
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