O princípio de livre mercado é um dos mais sedutores da literatura econômica. Assegura que promove a eficiência, respeitando a liberdade, deixando que preços e quantidades de bens e serviços sejam determinados pela interação das ofertas e demandas de consumidores e produtores, sem a intervenção dos governos.
Ele é usado para defender a desregulamentação da intermediação financeira. Assim, as instituições ofereceriam instrumentos que se adaptariam às características da economia e alocariam as poupanças para os projetos que, ajustados pelo risco, apresentassem o melhor retorno, induzindo o crescimento do País. A assertiva pode ser corroborada com o desempenho da BM&FBovespa, que é privada, se autorregula e negocia dezenas de bilhões de reais diariamente com eficiência e segurança. É incontestável, é uma demonstração de que o livre mercado pode funcionar bem.
O ditado popular título deste artigo se refere ao fato de a galinha não saber nadar e o pato, sim. É usado para explicar que o incauto que acompanha as ideias de outro mais esperto pode se dar mal. Daí vem o “pagar o pato”, que é ter de arcar com as consequências por seguir opiniões de terceiros.
É fato, a intermediação de ativos futuros no Brasil é um exemplo em que todos ganham; também é fato que a de financiamentos ilustra o oposto, é disfuncional. É ineficiente, iníqua, opaca e faz com que o País pague o pato, usando o argumento do livre mercado para justificar a lei da selva.
A BM&FBovespa só funciona bem porque, além de ser um mercado livre, também tem uma gestão proativa, transparência acentuada, controles rigorosos e milhares de regras atualizadas sistematicamente, pensadas para manter seu desempenho primoroso.
Não é o que ocorre com a intermediação de financiamentos, um vale-tudo com regulamentação inadequada, em que cidadãos, empresas, governos e até banqueiros pagam o pato.
Um exemplo emblemático é o cheque especial para pessoa jurídica, que custa em média 332,8% ao ano (a Caixa Econômica Federal cobra 361,9% e o Banco do Brasil, 368,8%). Para cada banco individualmente, a taxa se explica porque a morosidade é elevada.
Nessa modalidade, os atrasos superiores a 15 dias são de 29,2% do total emprestado. Bons pagadores têm de pagar o pato.
A conta não fecha, não há negócio lícito que tenha essa rentabilidade. Se empresários escolhem essa linha de crédito, é por falta de alternativas para sobreviver no curto prazo, e seu uso resulta numa perda de riqueza do setor não financeiro, com redução de estoques, atrasos a fornecedores, venda de ativos e corte de custos. É a porta de entrada para a armadilha da dívida.
No último trimestre divulgado, para um resultado líquido do Sistema Financeiro Nacional de R$ 23,6 bilhões, as perdas com provisões foram de R$ 38,3 bilhões, portanto 62,1% maiores. Note-se que sem essas despesas os lucros dos bancos mais que dobrariam. Há instituições em que a inadimplência é quatro vezes maior do que o resultado líquido. É inconsequente.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu que juros bancários são considerados abusivos só quando superam muito a taxa de mercado; a Lei 4.595 estabelece que o Banco Central exerça o controle do crédito sob todas as suas formas e divulga uma taxa média do sistema financeiro de 32% ao ano; há instituições que cobram mais de 1.000% ao ano, e isso é considerado livre mercado por muitos, mas é contraditório. Faz a sociedade ter de pagar duplamente o pato: por um lado, os efeitos da inadimplência do crédito se propagam por toda a malha econômica, secando os canais comerciais, e, por outro, a economia está se tornando cada vez mais financeira. Hoje os juros pagos por dívidas correspondem a 16,9% do produto interno bruto (PIB) – 6,5% da pública mais 10,4% da privada.
Esses recursos são destinados a investidores, alguns deles estrangeiros, que, dependendo do tipo de ativo, têm alíquotas de impostos que variam de zero a 22,5%; enquanto as dos trabalhadores chegam a 27,5% e as da produção passam de 50% em alguns casos. É inegável, a tributação favorece mais quem vive de juros do que trabalhadores e empresários. Quem paga o pato é o País.
O que mais preocupa é que a financeirização da economia deve perdurar. Os anúncios de algumas medidas (remendos) e a queda da taxa Selic são sedutores para um país esperançoso, mas não vão mudar este quadro, terão um efeito pífio.
A origem dos problemas é a obsolescência do paradigma. É o mesmo da época de inflação alta, com prazos curtos, múltiplos índices, compulsórios, distorções tributárias e outras excentricidades. Há décadas era funcional, atualmente, todo remendado, é letal. Mais grave é que o sistema e o governo se recusam a mudar, quando poderiam modernizar a intermediação com ganhos para todos. São reacionários.
Cabe lembrar que a estratégia de fazer outros pagarem o pato por não se adequar à realidade não é exclusiva do setor financeiro. A indústria é outro exemplo, tenta proteger o mercado interno com créditos subsidiados (pagos com recursos de contribuintes) e leis de conteúdo local (que encarecem os produtos para os consumidores) para contrabalançar sua obsolescência. Segue com o discurso da substituição de importações de 50 anos atrás, em vez de se moldar ao século 21 e ocupar espaços cada vez maiores no resto do mundo.
Nem todas as empresas, nem todos os bancos e nem todos os setores são reacionários. Um exemplo é o agronegócio, que se adaptou com avanços tecnológicos e gerenciais, uma inserção externa conveniente e cadeias produtivas. Consegue crescer sem que ninguém tenha de pagar o pato. Há países em que todos os setores fazem o mesmo, são os mais desenvolvidos. Portanto, está na hora de pôr ordem no galinheiro.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 07/02/2017.
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