*André Abbud
Recentemente, o presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol sofreu um impeachment após uma tentativa frustrada de golpe de Estado, que incluiu a declaração de lei marcial. A justificativa apresentada para essa manobra foi a suposta infiltração de agentes norte-coreanos dentro do governo, uma acusação infundada usada como pretexto para consolidar seu poder e expurgar opositores. Embora a tentativa tenha fracassado, o episódio revela uma preocupação que transcende as fronteiras da Coreia do Sul: a fragilidade que pode surgir mesmo nas democracias mais robustas.
Graças às sólidas instituições sul-coreanas e à vigilância do povo, o golpe não se consolidou. O decreto presidencial foi rapidamente derrubado, Yoon está proibido de deixar o país e deve enfrentar acusações criminais em breve. Este episódio reforça uma lição clássica: líderes com aspirações autoritárias frequentemente se valem de mecanismos democráticos para subverter o próprio regime que deveriam proteger; já diria Alexis de Tocqueville, “o maior perigo para uma democracia vem de dentro, não de fora”.
A Coreia do Sul, há décadas um modelo de prosperidade econômica e avanço democrático, agora encara um dilema que ecoa em democracias de todo o mundo: como prevenir que governantes usem o aparato estatal para fins pessoais ou ideológicos? Instituições sólidas são fundamentais, mas sua força deriva da confiança do povo e da capacidade coletiva de resistir a narrativas manipuladoras. A tentativa de golpe, embora neutralizada, expõe vulnerabilidades que precisam ser endereçadas para evitar crises futuras.
Enquanto isso, do outro lado da fronteira mais militarizada do mundo, a Coreia do Norte segue consolidando sua posição como um dos regimes mais opressivos e imprevisíveis do planeta. Em uma jogada inédita, soldados norte-coreanos foram enviados para lutar na Ucrânia ao lado das forças russas, marcando a primeira vez desde a Horda Dourada que combatentes asiáticos invadem solo europeu. Essa decisão estratégica levanta especulações sobre as motivações de Pyongyang.
Para Vladimir Putin, o apoio norte-coreano pode ser uma tentativa de preencher lacunas em seu exército exaurido, enquanto para Kim Jong-un, essa parceria pode oferecer benefícios em duas frentes. Primeiro, é uma oportunidade para treinar suas tropas em combate real, algo que a Coreia do Norte não experimenta desde o fim da Guerra das Coreias em 1953. Segundo, o regime busca reforçar sua relevância internacional, usando a guerra como moeda de troca para obter ajuda econômica e tecnológica de Moscou.
A decisão de Pyongyang também revela um cálculo geopolítico astuto. Em um mundo cada vez mais fragmentado entre potências autocráticas e democracias, regimes como o da Coreia do Norte veem em alianças com outros autocratas uma forma de garantir sua sobrevivência. Hans Morgenthau argumenta em seu livro Politics Among Nations que o poder nacional é exercido não apenas pela força bruta, mas também pela capacidade de manipular alianças e contextos. A Coreia do Norte, por menor que seja sua economia, demonstra que regimes isolados podem exercer influência global desproporcional.
Por outro lado, a presença norte-coreana na Ucrânia também pode ser lida como um prenúncio de instabilidade futura na Ásia Oriental. Kim Jong-un, ao enviar soldados para lutar em uma guerra europeia, envia uma mensagem clara ao Ocidente e aos vizinhos: Pyongyang está disposta a projetar poder militar além de suas fronteiras tradicionais. Isso não apenas aumenta as tensões regionais, mas pode alterar os cálculos estratégicos de países como Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos, reforçando alianças militares e expandindo capacidades defensivas.
Voltando ao Sul, o contraste entre as duas Coreias é ao mesmo tempo um lembrete da força da democracia e de sua fragilidade. A tentativa frustrada de golpe de Yoon Suk Yeol ressalta que mesmo democracias bem-sucedidas podem ser corroídas por dentro se não houver vigilância constante. A história sul-coreana, marcada pela transição de regimes militares para uma democracia vibrante, já demonstrou sua resiliência, mas também revelou que crises políticas podem abrir brechas perigosas.
Enquanto isso, o Norte continua sua escalada autoritária, buscando relevância global por meio de alianças e ações provocativas. A presença de suas tropas na Ucrânia reforça a ideia de que estamos testemunhando o nascimento de uma ordem mundial mais caótica e fragmentada, onde alianças ideológicas e pragmáticas ditam os rumos das relações geopolíticas.
Ventos de Mudança em 2025?
Os eventos recentes nas Coreias são sintomas de um mundo em transição, marcado por crises políticas internas e alianças inesperadas. Em 2025, podemos esperar que essas dinâmicas se intensifiquem. No Sul, o impacto do golpe fracassado provavelmente levará a um período de reformas institucionais e polarização política, enquanto o Norte continuará a usar sua capacidade militar como ferramenta de barganha, potencialmente aumentando as tensões com vizinhos regionais.
Globalmente, o alinhamento entre regimes autocráticos como Rússia, Coreia do Norte e China deve se fortalecer, enquanto democracias enfrentarão o desafio de preservar sua coesão interna e responder de forma coordenada às ameaças externas. Em um cenário onde as alianças são mais fluidas e imprevisíveis, o papel das Coreias no equilíbrio de poder global será ainda mais relevante.
Como Tocqueville advertiu, “a liberdade nunca está garantida; é um trabalho diário”. A sobrevivência da democracia na Coreia do Sul, o comportamento provocativo do Norte e a crescente divisão entre blocos autoritários (Eixo das Ditaduras) e democráticos (Eixo das Democracias) são lembretes de que o futuro da ordem internacional será decidido não apenas nos campos de batalha, mas também na resiliência das instituições e na capacidade dos povos de resistir à tirania.