Apesar da crise energética no país, com risco de tarifas mais caras e até de racionamento, o Brasil quase não avança no aquecimento e na geração de eletricidade solar. Os problemas ocorrem tanto em projetos de larga escala como na pequena produção doméstica. Nem mesmo os programas governamentais conseguem progresso significativo: em 2010, o governo anunciou um plano, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para instalar até o fim de 2014 placa solar para chuveiros em dois milhões de casas do Minha Casa Minha Vida. Até agora, segundo a Caixa, apenas 215.945 residências contam com o sistema, ou 10,8% da meta.
Na época, o governo apregoou que, além desta frente, apoiaria a instalação de 260 mil aquecedores solares com recursos de eficiência energética das distribuidoras e que a Caixa financiaria outros 400 mil aparelhos, chegando a um total de 2,66 milhões de casas com o sistema. Isso traria uma economia de energia equivalente ao consumo anual de Belo Horizonte e retiraria da atmosfera a emissão de gases do efeito estufa em volume igual ao emitido pela frota de carros de Brasília de então.
Mas isso não ocorreu. Passados quatro anos, o Ministério de Minas e Energia (MME) apresentou dados defasados e não soube informar qual o percentual alcançado de instalação de aquecedores solares das outras duas frentes além do Minha Casa, Minha Vida. Levando em conta a meta ampliada, de 2,66 milhões de casas, o cumprimento do governo pode ter sido ainda mais baixo que os 10,8% obtidos com o programa de habitação popular.
Em São Paulo, avanço de apenas 3,5 mil casas
Além do descumprimento da meta, o governo usou tecnologia tradicional, na qual o consumidor tem de desligar o sistema em caso de falta de sol. Em 2010, o governo prometia adotar o inovador “chuveiro flex”, que faria isso automaticamente. Segundo a Caixa, a opção mais moderna era mais cara.
“Na pesquisa realizada em 2012, 85% das famílias se mostraram satisfeitas com o sistema de aquecimento solar de água, que proporcionou economia de energia de cerca de 30%, equivalente a um valor entre R$ 20 a R$40 por família, gerando benefícios sociais, ambientais e econômicos para o Brasil e para essas famílias”, informou a Caixa.
— Falta incentivo do governo. Por que clubes, hotéis e mansões têm os sistemas em seus telhados e as casas mais humildes não têm? — indaga Marcelo Mesquita, consultor da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava)que indica o uso conjunto das duas tecnologias: aquecimento solar de chuveiros e microgeração de energia, de forma complementar.
Em São Paulo, que fixou regras ambiciosas para 2020, o avanço até agora foi pequeno. Em 2010, havia 13 mil casas da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado (CDHU) com sistema de aquecimento solar e promessa de que todas as novas casas do programa teriam o sistema. Neste ano, o total chegou a 16,5 mil casas.
Na geração de energia solar, a situação não é diferente. E isso ocorre tanto com grandes consumidores como com o gerador residencial, o chamado “minigerador distribuído”. Regulamentado há dois anos, o Brasil contabiliza apenas 92 pequenos consumidores, como casas, comércios e pequenas indústrias, que geram energia, em geral com painéis solares, e enviam o excedente ao sistema nacional. A falta de avanço é creditada aos altos custos de instalação do equipamento — no mínimo R$ 20 mil — e à falta de financiamento adequado, além da tributação do setor, que “pune” quem opta pela autogeração, com a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da energia enviada à rede, com exceção de Minas Gerais. Atualmente, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSolar) o país tem apenas 2,2 megawatts (MW) instalados com os microgeradores residenciais.
Por outro lado, a EPE anunciou para setembro o primeiro leilão exclusivo de energia solar. Ainda não há estimativas de valor e potencial, mas o objetivo é incentivar o setor. Segundo a EPE, a capacidade instalada total, incluindo grandes empreendimentos, é de 6 MW, ou 0,004% de toda a matriz instalada (126.755 MW).
— Esperamos o momento certo, de tecnologia mais desenvolvida e barata, teremos com a energia solar o mesmo desenvolvimento que tivemos com a eólica —afirmou Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE.
Tolmasquim diz que é fundamental criar demanda para fomentar uma indústria nacional de painéis. Além disso, ressalta que os parques eólicos poderão instalar painéis solares em seus terrenos, o que reduziria custos de instalação e de solo.
Nivalde de Castro, do Gesel/UFRJ, afirma que esta medida pode ser uma solução, pois as energias solar e eólicas são complementares. Ele defende que os efeitos multiplicadores na economia são relevantes, pois há mais incidência de sol nos locais menos desenvolvidos do país.
Rodrigo Lopes Sauaia, diretor executivo da ABSolar e consultor da Intersolar, evento do setor que ocorre em agosto, em São Paulo, diz que o potencial brasileiro é imenso.
— A Alemanha é um dos países mais avançados na energia solar e a região do Brasil com menor incidência solar tem 40% mais potencial que a melhor região alemã. Já a região com maior incidência solar tem o dobro do potencial da melhor região da Alemanha — afirma ele.
O governo credita o fraco desempenho aos custos. Segundo o MME, o custo de geração de energia elétrica é da ordem de R$ 120 e o da eólica está em R$ 109,93/MWh. Na energia solar, o custo é da ordem de R$ 200/MWh, no melhor cenário. Em geral, o custo chega a R$ 300/MWh.
“A energia é o primeiro insumo do sistema econômico. Se o preço elevar-se muito perde-se a competitividade econômica. Para a geração centralizada, em decorrência dos atuais custos de geração da energia solar, ela não é uma alternativa que preserve a modicidade tarifária”, informou o ministério, em nota. “Em 2013, o Brasil consumiu 124,9 TWh de energia elétrica no setor residencial, numa proporção de 24% do consumo total. Se por hipótese, 5% das residências vierem a ter autogeração nos próximos 10 anos (3,5 milhões de domicílios), o impacto na demanda total ainda seria pequeno, de 1,2%, e com pouca influência na demanda máxima”, diz o governo.
Para o setor elétrico, a expansão restrita pode ser resumida em quatro fatores: custo alto de equipamento, falta de incentivo, dificuldades tributárias e problemas legais. Mesmo com a falta de incentivos, iniciativas isoladas avançam. Na quinta-feira foi inaugurado o projeto Maracanã Solar, parceria entre governo do Estado do Rio, Light e EDF, com capacidade de gerar 400 kW, equivalente ao consumo de 240 residências, num investimento de R$ 12 bilhões. Júlio Bueno, secretário de Desenvolvimento do estado, diz que o projeto é uma vitrine:
— Estamos terminando, com a PUC, um mapeamento do potencial da energia solar no estado, que deverá ficar pronto em 2015 — disse ele.
Fonte: O Globo
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