*por Renato Mendes
Numa visita recente a uma feira de tecnologia, o novo presidente da França, Emmanuel Macron, disse que deseja conduzir seu país de forma a fazê-lo “pensar e agir como uma startup”. De verdade, não faço ideia do quanto ele conseguirá avançar neste objetivo, mas só o fato de ele se posicionar desta forma já representa um avanço e tanto.
Fiquei imaginando como seria se um governante brasileiro estivesse realmente disposto a sentar com um empreendedor para trocar experiências sobre gestão. Antes que alguém diga que relacionar-se com cidadãos é diferente de fazê-lo com consumidores — o que eu concordo —, só queria salientar que não tenho dúvida de que podemos tirar o melhor de um universo e aplicar no outro. Ou, em outras palavras, governos têm muito a aprender com startups quando o assunto é gestão.
Para mostrar como isso poderia ser colocado em prática, elenquei cinco pontos que mostram como qualquer governo pode se beneficiar do jeito startup de fazer as coisas:
1) Governos poderiam ser mais acessíveis e abertos ao diálogo com cidadãos – O primeiro passo de uma startup para identificar e solucionar problemas passa por escutar a seus potenciais clientes. Como toda estratégia de negócios é orientada ao consumidor, elas sabem que este feedback vale ouro e deve ser o norte de toda sua atuação. É por isso que startups não fogem do cliente, pelo contrário, vão até ele onde quer que ele esteja.
Pense agora no que aconteceria se políticos agissem da mesma maneira no relacionamento com cidadãos. Em vez de se esconderem por trás de assessorias de imprensa e sites oficiais, imagine se governantes e seus times fossem de encontro aos cidadãos ou simplesmente se mostrassem acessíveis online e off-line?
A maior parte deles está muito preocupado em falar, mas nem tanto em ouvir. Eles poderiam manter perfis sociais ativos e em diálogo permanente com a população, construindo esse governo de forma conjunta. Por meio do monitoramento de redes sociais, seria possível ainda identificar temas mais comentados pela população para incluí-los na pauta de discussão ou conhecer a opinião dos contribuintes acerca de assuntos mais polêmicos. Se fizessem sessões de perguntas e respostas usando uma transmissão ao vivo pelo Facebook, será que isso não aumentaria o engajamento com a comunidade?
Já existem cidades criando canais permanentes de diálogo com os cidadãos por meio da tecnologia. Nos Estados Unidos, a capital Washington criou o “Grade DC”, modelo de avaliação online do trabalho da prefeitura. Cada vez que um cidadão usa um dos serviços ofertados, ele pode avaliá-lo por meio de um SMS. Todas as notas são públicas. Neste momento, a melhor nota é da livraria pública da cidade com um A+. Já o secretário de Saúde deve estar preocupado porque ganhou um C-. A iniciativa não só aumenta o engajamento com o governo como também ajuda o poder público a atacar os problemas da cidade.
2) Governos poderiam economizar dinheiro do contribuinte e melhorar seus serviços usando a lógica de MVPs e cultura de testes – Startups não costumam ter muito dinheiro nem tempo a perder. Por isso, toda e qualquer novidade costuma ser testada por meio de um Produto Mínimo Viável (MVP, na sigla em inglês). O MVP nada mais é que um teste que rapidamente permite que se colete impressões dos clientes e se entenda quais das novidades funcionam e quais não. Desta forma, é possível descartar o que não deu certo e focar em implementar as sugestões que foram testadas e aprovadas por clientes.
Em vez de gastar milhões de reais dos contribuintes com projetos que muitas vezes ninguém sabe se irão realmente funcionar, governos poderiam fazer pequenos investimentos em MVPs com o objetivo de testar uma ideia, coletar feedback, aprender com os erros e promover melhorias antes de partir para a escala.
Antes de fazer o lançamento oficial de seu novo site, a cidade norte-americana de Palo Alto (Califórnia) decidiu subir uma versão beta por dois meses e pedir que cidadãos testassem e sugerissem melhorias. Cerca de 5.000 deles aderiram à proposta e diversas sugestões foram aceitas e aplicadas à versão final. A prefeitura entende que o site é um projeto inacabado e, periodicamente, irá fazer alterações baseadas nas sugestões de cidadãos.
3) Governos poderiam ser mais eficientes ao aprenderem a desenhar sua estratégia a partir de dados – Membros de uma startup não gastam horas discutindo qual o melhor conteúdo para se colocar, por exemplo, em um e-mail de vendas. Eles simplesmente testam as possibilidades em uma base pequena e, após analisarem os resultados, aplicam a mensagem vencedora para o resto da base. Este é um clássico conceito dos chamados teste A/B que servem para mostrar como a gestão por dados costuma se sobrepor aos “achismos” em um ambiente de eficiência.
Imagine se políticos também agissem assim na gestão da Saúde, por exemplo? Se o Governo Federal coletasse e analisasse toda as informações contidas em prontuários médicos do país, seria muito mais fácil, por exemplo, antecipar a chegada de um surto em determinada região do país e se preparar para combatê-lo. Ou ainda, se todas as informações de um paciente relacionadas a exames, cirurgias, consultas e uso de remédios pudesse ser acessada em um único local, o médico seria muito mais eficiente na hora de dar seu diagnóstico.
A cidade de Chicago faz um monitoramento em tempo real de diversos temas relacionados ao dia a dia dos cidadãos e os disponibiliza em site com atualização em tempo real. Quando a prefeitura sabe onde estão os maiores índices de violência, ela pode aumentar o policiamento na região por exemplo. O uso de dados traz inteligência e aumenta a eficiência na alocação de recursos.
4) Governos poderiam usar a rede para ajudá-lo a mapear e resolver problemas de maneira colaborativa – Startups sabem alavancar o uso da rede melhor que ninguém. O Waze, aplicativo de navegação GPS, talvez seja o melhor exemplo deste conceito. Ele não tem câmeras em todos cantos da cidade para saber sempre qual o melhor caminho para você. Na verdade, o Waze é uma rede colaborativa em que cada motorista que usa o app envia informações em tempo real a um sistema que analisa esses dados e fornece a outros motoristas as informações sobre trajetos e tempo até seus destinos. Quanto mais pessoas o utilizam, mais eficiente ele é na orientação de motoristas.
Governos poderiam — e deveriam — fazer o mesmo. Imagine o que acontece em uma cidade como São Paulo após uma tempestade. Não é fácil para a administração pública descobrir cada semáforo que se apagou, árvore que caiu ou poste de luz que está queimado. Levaria dias até que a Prefeitura descobrisse tudo que precisa ser consertado. Faria muito mais sentido, inclusive, se ela pudesse gastar tempo consertando o que tem de consertar em vez de buscando onde estão os problemas.
Cidadãos costumam entupir de chamadas os serviços de atendimento para ver seus problemas resolvidos. Não seria mais interessante criar um aplicativo em que eles que pudessem fazer isso, mapeando os problemas e ajudando a Prefeitura a identificá-los e resolvê-los? Essa é a proposta de apps como Cidadera, criado por estudantes e ex-alunos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade de São Paulo (USP). Ele permite que qualquer pessoa aponte em um mapa colaborativo problemas que encontram em suas cidades como um buraco ou uma falta de iluminação, por exemplo.
5) Governos poderiam ser mais transparentes e prestarem contas com os cidadãos – Startups normalmente operam com capital de terceiros. Isso as obriga a ser transparentes no uso que farão deste dinheiro e honestas em relação aos resultados obtidos. Nada diferente disso é aceitável. Quando um empreendedor não é capaz de fazer um plano bom o suficiente para atingir suas metas ou é incapaz de cumprir o que prometeu, ele normalmente é trocado com bastante velocidade.
Governantes são mestres na arte de prometer e não cumprir. Ou ainda em esconder suas finanças detrás de jargões incompreensíveis ou simplesmente do bloqueio ao acesso a seus dados. Se governos fosse startups, eles seriam obrigados a disponibilizar seus planos de governo, identificar o quanto dele foi concluído e ainda mostrar o que foi gasto e como.
A OpenGov é uma startup cujos softwares ajudam governos a terem mais transparência em relação a seu histórico financeiro. Na prática, ela transforma dados complexos e escondidos em gráficos fáceis de ler e de serem encontrados. Ela permite que cidadãos encontrem os gastos do seu governo e os analisem em uma perspectiva histórica ou divididos por secretarias / ministérios — tudo em poucos cliques. Hoje, ela tende mais de 275 governos de 37 estados norte-americanos.
Por fim, se governantes se inspirassem em empreendedores, certamente teríamos mais casos de agilidade, eficiência e transparência na relação com os contribuintes. O que as pessoas não entenderam é que se o governo fosse uma startup, os cidadãos não seriam os consumidores, e sim, os investidores. São eles que pagam a conta e devem cobrar por resultados.
*Renato Mendes é sócio da Organica, professor de Marketing Digital do Insper e mentor Scale Up da Endeavor Brasil. Já empreendeu, ocupou posições de liderança em startups, foi advisor de fundo de venture capital, mentor e investidor dessas estrelas da nova economia.
Fonte: “Época negócios”.
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