As rebeliões e revoltas em presídios de todo o país não são novidades e reforçam um problema antigo no país: a situação precária do sistema carcerário brasileiro. Enquanto isso, cerca de R$ 3,3 bilhões estão “disponíveis” no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). O Fundo foi constituído na década de 90 para a construção, reforma e ampliação de penitenciárias, mas a verba, há anos, não é totalmente aplicada.
O saldo contábil do Fundo cresceu consideravelmente nos últimos anos. Para se ter ideia, em 2000 o saldo disponível e não aplicado atingiu apenas R$ 175,2 milhões. O Funpen foi instituído pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. O Fundo é coordenado pelo Ministério da Justiça (MJ).
Quando considerado não apenas o que foi autorizado para o orçamento de 2016, mas também as atuais “disponibilidades” do Funpen, o saldo hoje contabilizado chega a R$ 3,3 bilhões. Do total, 67,8% possuem como origem 3% do montante arrecadado nos concursos de prognósticos, sorteios e loterias da Caixa Econômica Federal. Atualmente, R$ 2,2 bilhões do montante contabilizado no Fundo são provenientes dessas fontes.
Os recursos do Funpen são oriundos ainda de convênios, contratos ou acordos firmados com entidades públicas ou privadas, multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado e 50% das custas judiciais recolhidas em favor da União Federal.
Para o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, o principal problema do Funpen não é a falta de recursos. “Os 3% provenientes das loterias federais e os cinqüenta por cento do montante total das custas judiciais recolhidas em favor da União Federal ingressam sistematicamente nos cofres públicos e são contabilizados no Funpen. No entanto, por questões fiscais a verba não é efetivamente destinada aos objetivos do Fundo. Os valores ficam bloqueados pela área econômica de forma a contribuir para minimizar o déficit fiscal. Esses recursos, caso fossem utilizados na sua finalidade legal resolveriam grande parte dos problemas que hoje enfrentamos no sistema penitenciário”, explica.
A execução orçamentária também é problemática. Em 2016, o orçamento previsto para o Funpen é de R$ 682,7 milhões, mas já passados quase 11 meses do ano, apenas R$ 270,6 milhões foram realmente executados (39,6%). O montante de R$ 412,2 milhões está destacado no orçamento como “Reserva de Contingência”, recursos que na prática não são utilizados e apenas contribuem para melhorar o resultado fiscal. Dessa forma, iniciativas de modernização de infraestrutura de presídios e para a desarticulação do crime organizado, por exemplo, não recebem a verba prevista.
A população carcerária cresce na mesma proporção em que os recursos não são utilizados. De acordo com o último relatório do Ministério da Justiça, a população penitenciária brasileira chegou a 622.202 pessoas. Desde o ano 2000, são 389.477 novos presos, aumento de 167%. O número de vagas em presídios não acompanhou essa expansão. Hoje, faltam 250.318 vagas no sistema penitenciário.
Segundo o estudo da pasta, o Brasil conta com a quarta maior população penitenciária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237). Entre os detentos brasileiros, 40% são provisórios, ou seja, não tiveram condenação em primeiro grau de jurisdição.
Em ofício, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, questionou o Ministério da Justiça sobre os recursos destinados ao sistema penitenciário. O documento foi encaminhado no último dia 18, diretamente ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.
O presidente lembra que o Supremo Tribunal Federal determinou à União que promovesse o descontingenciamento, sem qualquer tipo de limitação, do saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo ainda a realização de novos contingenciamentos.
A OAB destaca que do julgamento até a presente data não foram divulgadas as medidas adotadas para cumprimento da decisão judicial, tampouco informados os valores descontingenciados e repassados aos Estados para reformas estruturantes, construção e ampliação de estabelecimentos prisionais, dentre outras finalidades.
Recentemente, as rebeliões ocorridas nos estados de Roraima e Rondônia resultaram em mais de 30 mortes. Para a OAB é inegável que a precariedade das instalações nessas e outras unidades da Federação revelam o “estado de coisas inconstitucional” reconhecido pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 347, conforme julgado ocorrido em 2015. “Cabe ao Estado fazer com que as prisões voltem a ser destinadas a seu verdadeiro propósito, que é garantir a custódia dos presos e a correta aplicação da pena aos condenados”, afirmou Lamachia.
O Contas Abertas questionou o Ministério da Justiça sobre os recursos do Funpen, mas até o fechamento da matéria não obteve resposta.
Cármen Lúcia visita presídios
A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visitou três unidades prisionais do Rio Grande do Norte na última sexta-feira (21). Ela desembarcou em Mossoró, na região oeste do estado e visitou as instalações da penitenciária federal existente na cidade. Em seguida, a ministra embarcou para Natal e visitou o presídio feminino e a Penitenciária Estadual de Parnamirim.
A visita ao Presídio Federal de Mossoró durou cerca de uma hora. A ministra foi acompanhada pelo juiz Orlan Donato Rocha, da 8ª Vara Federal do RN. O lugar tem recebido presos de outros estados, que lideram grupos criminosos e precisam ser isolados. Diferente da situação da maioria dos presídios, o de Mossoró tem capacidade para 208 detentos, mas atualmente está com 137.
Na saída, ela disse que pretende visitar unidades prisionais em todos os estados. “Vou às penitenciárias de todos os estados para ver as condições dos presos, dos servidores, a condição de trabalho do juiz que é responsável pelo sistema, do diretor”.
Após a visita, ela embarcou em um jato da Força Aérea Brasileira (FAB) com destino à capital potiguar. Em Parnamirim, a ministra visitou o presídio feminino, onde disse ter encontrado um quadro de superlotação preocupante. O presídio tem capacidade para 70 presas e está com quase 100.
Ainda em Parnamirim, a ministra Cármen Lúcia visitou a Penitenciária Estadual que tem capacidade para 290 presos e está com 540. “Vamos ver que providências poderão ser tomadas. Eles ficaram de me mandar números exatos de presos, número de vagas, as condições, as propostas que têm e eu vou me reunir com os juízes das varas de execuções penais exatamente para ver que providências então tomar”, disse a ministra.
A ministra disse ainda que vai levar a situação ao Conselho Nacional de Justiça para que se possa definir estratégias para resolver os problemas da violência e superlotação dos presídios do Rio Grande do Norte e de outros estados que devem ser visitados nos próximos dias.
Fonte: Contas Abertas.
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