Diante da crise de energia que já levanta preocupação sobre a procura de gás na indústria, especialistas e empresários alertam para a necessidade de uma política de longo prazo para o setor. Carlos Cavalcanti, diretor do departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), reclama da falta de planejamento pelo governo e da ausência de uma política específica para o insumo no país. Ele afirma que o gás natural não chega às unidades fabris e prejudica o desenvolvimento de planos de investimento no Brasil.
— Não há política industrial para o gás. Isso é gravíssimo e atrofia investimentos — disse o representante da Fiesp.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Augusto Salomon, destacou, por sua vez, que o problema não é a oferta no curto prazo do gás. O executivo da Abegás também disse que está faltando uma política energética no país e que defina uma política para o gás natural que dê previsibilidade tanto de oferta como de preços futuros, para permitir a expansão da indústria.
Sem uma política definida, as indústrias não têm garantias firmes de suprimento do gás nem de preços. Isto está fazendo com que as indústrias brasileiras percam já a competitividade em relação às indústrias instaladas em países como Estados Unidos, México e Canadá, onde o gás está cada vez mais barato.
— Definir essa política é fundamental, considerando que a perspectiva é de que o aumento da oferta do produto chegue a 30 milhões de metros cúbicos por dia, equivalente às importações da Bolívia, a partir de 2017. Mas quem vai investir se, de um lado, não há preços definidos e, de outro, não há garantias da expansão da malha de gasodutos para esse gás chegar ao mercado? — indagou Salomon.
Segundo ele, se não for definida uma efetiva política de estímulo, com garantia firme de volumes e preços atrativos, não haverá mercado para esse volume adicional de gás esperado a partir de 2017.
— O maior problema é o artificialismo dos preços. Hoje, a Petrobras vende o gás nacional com 30% de desconto, mas ninguém sabe até quando. Como investir? Cada R$ 1 bilhão em incentivos no setor representaria uma redução de R$ 0,10 por metro cúbico nas tarifas do gás para as indústrias — destacou Salomon.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, disse ontem que a Petrobras poderá ampliar o volume de importação do gás natural liquefeito (GNL) e do gás boliviano caso a indústria necessite. Ele deu a resposta ao ser indagado sobre o temor do setor produtivo de ficar sem o combustível por conta da maior utilização do insumo pelas térmicas da estatal para a geração de energia elétrica.
— Pelo que eu saiba, saiu um informe da Petrobras dizendo que não está faltando gás para ninguém. Existe gás para todo mundo até onde eu sei. Não chegou ao meu ouvido nenhuma reclamação da indústria (…) Se for necessário, a Petrobras pode importar mais gás — afirmou Tolmasquim, depois de participar de evento sobre infraestrutura promovido pelas federações das Indústrias do Rio e de São Paulo (Firjan e Fiesp) na capital paulista.
Mas as importações de GNL já causam prejuízos para a Petrobras porque a estatal compra por cerca de US$ 17 o milhão de BTU (medida internacional do gás) e vende para as térmicas a um preço médio de US$ 9. Cálculos feitos pela consultoria Gas Energy indicam que a estatal está tendo um prejuízo de US$ 120 milhões mensais com as importações de GNL.
— A Petrobras ainda se beneficiava com a venda de uma pequena parcela da energia gerada por suas térmicas no mercado livre, onde a energia custa R$ 822 o megawatt/hora. Mas no leilão do mês passado para reduzir a exposição das distribuidoras nesse mercado à vista, a Petrobras foi obrigada a vender quase toda energia que ainda tinha livre (574 megawatts médios) — destacou Tavares.
Gás vira ‘questão de segurança’
Entre outras prioridades nessa política industrial para o uso do gás, deveria haver, por exemplo, segundo Cavalcanti, um padrão pré-definido para a determinação do preço do insumo e contratos com prazos longos de fornecimento para os grandes consumidores. Desta forma, o empresário não ficaria sujeito à disponibilidade do combustível, nem à oscilação de valores gerada por sazonalidades na oferta. De acordo com Cavalcanti, esse tipo de previsibilidade é essencial para a tomada de decisão de investir ou não.
O economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), sustentou o argumento de Cavalcanti ao lembrar que a estratégia de reindustrialização dos Estados Unidos está calcada justamente na maior oferta de gás.
— O atrativo usado por (Barack) Obama para atrair a atenção das indústrias é o combustível, neste caso o gás. Então, no melhor estilo “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, eu pergunto: há alguma dúvida sobre a importância de haver uma política industrial de longo prazo para o gás? — indagou o professor.
A crise energética já está mudando o planejamento de indústrias. No caso da Limppano, fabricante de artigos de limpeza e de utensílios domésticos, a empresa decidiu que só vai ampliar os investimentos após conseguir aumentar, em contrato, a oferta de gás. Segundo Alex Buchheim, diretor-geral da companhia, iniciar a ampliação fabril sem ter o gás na mão é “uma questão de segurança”.
— É preciso ter uma garantia do gás. Sem isso, é um perigo. Atualmente, a indústria fica em segundo plano. Decidimos investir cerca de R$ 500 mil na compra de geradores a óleo diesel para termos segurança, se esse cenário se repetir. Nossa ideia era que esses geradores fossem a gás, mas ficamos preocupados por conta da oferta de gás. Esse investimento nos geradores poderia ser feito na compra de novas máquinas — disse Buchheim.
A falta de previsibilidade na oferta de gás é o principal problema envolvendo as fábricas do país. Segundo Lucien Belmonte, superintendente da Abividro, associação que reúne os fabricantes do setor, a decisão do investimento é afetada em função das incertezas.
— O gás para a indústria está a conta-gotas. Além disso, há uma questão de preço alto, com custos que a indústria não consegue acompanhar. As perdas da Petrobras com GNL acabam sendo pagas pela indústria — diz Belmonte.
Julio Bueno, secretário de Desenvolvimento do Estado do Rio, diz que a principal reclamação das indústrias é a falta de previsibilidade do fornecimento de gás. Segundo ele, a política brasileira é “exótica”:
— A Petrobras não diz qual é a sua oferta de gás. Além disso, há a questão do preço elevado. A questão é que a Petrobras é monopolista no gás. Os preços, que deveriam ser controlados, são livres e, assim, a Petrobras faz o preço que quer.
Nos primeiros três meses deste ano, a Petrobras registrou lucro líquido de R$ 515 milhões na área de Gás e Energia, um recuo de 41% em relação ao mesmo período do ano passado. Isso ocorreu, diz a companhia, devido aos maiores custos com importação de GNL e de gás natural.
Fonte: O Globo
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