A instabilidade no comércio internacional tem aumentado de forma significativa nos últimos meses. Notícias recentes mostram que o governo norte-americano voltou a indicar que prosseguirá com a aplicação de medidas contra a China com base na Lei de Segurança Nacional. O governo chinês mostrou-se surpreso com essas declarações, que vão em sentido contrário ao aparente consenso já alcançado entre as partes.
Na mesma linha de endurecimento da atitude norte-americana, no dia 31 de maio o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, confirmou a aplicação de sobretaxas de 25% e 10% sobre o aço e o alumínio originários do Canadá, do México e da União Europeia. Ross já havia manifestado insatisfação com a exigência de Bruxelas de iniciar negociações apenas após garantia de que o bloco estaria isento das sobretaxas de forma permanente. No caso do Canadá e do México, o secretário afirmou que a renegociação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) ainda levaria tempo, o que justifica a aplicação imediata das medidas. Logo após a notícia da entrada em vigor das sobretaxas norte-americanas, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, afirmou que “não resta alternativa ao bloco senão iniciar uma disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC) e impor tarifas adicionais a uma série de produtos originários dos Estados Unidos”. Na reunião do G-7 no fim de semana, em clima tenso, os principais aliados dos EUA condenaram as medidas restritivas de Washington como ilegais.
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O Canadá também reagiu rapidamente e anunciou que vai impor tarifas adicionais a produtos norte-americanos a partir de 1.º de julho no valor de US$ 12,8 bilhões e questionar as medidas perante o Nafta e a OMC. Em tom desafiador, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou-se antes do fim do encontro para se encontrar com Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte, em Cingapura, ficou isolado nas deliberações e respondeu às declarações do primeiro-ministro canadense chamando-o de “desonesto e fraco”.
Por outro lado, na última reunião regular do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, no final de maio, os Estados Unidos fizeram fortes críticas às políticas chinesas e à atuação de empresas estatais, alegando práticas de transferência forçada de tecnologia e de comércio “desleal” promovidas pelo governo chinês. A China, por sua vez, rebateu as acusações, argumentando a inexistência de instrumentos legais internos que exijam a alegada transferência de tecnologia e criticando a falta de provas no pronunciamento norte-americano. Afirmou, ainda, que eventuais acordos e arranjos contratuais feitos entre as empresas têm caráter eminentemente privado e configuram práticas comerciais usuais, comuns em qualquer transação de mercado.
Na mesma reunião, os Estados Unidos e a União Europeia divergiram quanto às medidas adotadas por Bruxelas que visam à implementação das recomendações do Órgão de Solução de Controvérsias no caso da ação da Boeing contra a Airbus. Mesmo sem uma guerra comercial declarada, o protecionismo e as disputas comerciais tenderão a aumentar no futuro imediato.
No meio desse intenso tiroteio, às margens do encontro ministerial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no fim de maio, o presidente francês, Emmanuel Macron, para tentar suavizar as medidas restritivas de Washington, sem sucesso, como se viu no encontro do G-7, apoiou uma ampla reforma da OMC, como sugerido por Trump. O presidente indicou que, inicialmente, União Europeia, Estados Unidos, China e Japão deveriam iniciar essas discussões, a que se juntariam os demais países do G-20 e da OCDE, com vista a tratar o assunto já na próxima reunião do G-20 (que será realizada em Buenos Aires, em novembro). Macron defendeu a importância do multilateralismo e reforçou a necessidade de torná-lo mais “justo e eficiente”. Afirmou ainda que as novas regras do comércio internacional devem responder aos desafios do mundo atual, citando como exemplos as distorções causadas por subsídios públicos e a necessidade de proteção da propriedade intelectual, a renovação das discussões sobre direitos sociais e impactos oriundos da mudança do clima. No mesmo encontro, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, afirmou que é preciso “atualizar” a OMC, apontando para o aumento das disputas comerciais e o tempo prolongado para solucioná-las, além de criticar o caráter “obsoleto” das concessões que deram origem ao Gatt, em face da nova configuração do cenário global.
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Resta saber qual o sentido da pretendida reforma. A OMC já se vê esvaziada pelo fato de as negociações comerciais e suas regras estarem sendo feitas fora do organismo multilateral e, agora, com a recusa dos Estados Unidos de aprovarem juízes para o Órgão de Apelação. Uma proposta para iniciar o processo seletivo para novos membros do Órgão de Apelação, endossada por 67 membros foi reapresentada, mas a oposição americana permanece inalterada. No mesmo dia, um dos juízes, em seu discurso de despedida, após o término do seu segundo mandato no Órgão de Apelação, chamou a atenção para o impasse da nomeação de novos árbitros, para a urgência da seleção de novos membros, para questões relativas ao mandato dos membros e para o papel do mecanismo de solução de controvérsias como pilar do sistema multilateral de comércio.
Interessa ao Brasil uma OMC ativa e com influência na regulamentação do comércio global. Uma reforma que atualize a ação da instituição será bem-vinda, mas essa proposta não pode ficar apenas nas mãos de um grupo reduzido de países. O Brasil deveria ter papel ativo nessa discussão, a começar pelo encontro do G-20 em Buenos Aires, e é fundamental que o futuro governo defina uma nova estratégia de negociação multilateral.
Fonte: “Estadão”, 12/06/2018