Um dos maiores historiadores especializados em assuntos militares, o britânico John Keegan considerou a Primeira Guerra Mundial “uma guerra cruel e desnecessária”. Já sua avaliação da Guerra Civil Americana foi a de “uma guerra sem dúvida também muito cruel, mas não desnecessária”. Para Keegan, a Guerra de Secessão foi mais do que uma disputa econômica entre a aristocracia latifundiária do Sul e a potência industrial emergente do Norte. Foi também um choque de valores, de visões de mundo, daí tanto sua brutalidade quanto inevitabilidade.
“Os americanos sempre foram um povo com princípios. Esses princípios estão em seus magníficos documentos históricos: sua Declaração de Independência, sua Constituição e sua Carta dos Direitos. Desafortunadamente, as populações do Norte e do Sul da América em 1861 desentenderam-se profundamente quanto às questões de princípios. A escravidão, o poder soberano e a indivisibilidade da República, os direitos dos Estados confederados — essas foram as questões que deflagraram paixões populares irreconciliáveis”, registra Keegan, em “A guerra civil americana: uma história militar” (2009).
O presidente Barack Obama, durante a recente visita ao Brasil, autorizou a intervenção militar americana na Líbia. Os Estados Unidos exigiram o pedido de uma ação armada multilateral pela oposição líbia e pela Liga Árabe. As Nações Unidas receberam um pedido oficial da Liga Árabe, autorizando então medidas contra as forças de Kadafi para o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia.
A fulminante atuação da improvisada coalizão militar impediu uma carnificina anunciada pelas forças de Kadafi contra seus próprios civis. Mas até onde podem ir os esforços militares internacionais? Sem a derrubada do anacrônico ditador e seu belicoso sucessor, a guerra civil líbia poderia se estender por um período insuportavelmente longo.
Seria a intervenção militar na Líbia mais do que apenas uma disputa geopolítica por recursos naturais? Estaríamos diante de uma guerra por princípios, em que as democracias ocidentais estariam moralmente obrigadas a interromper um iminente massacre não apenas dos opositores de Kadafi, mas também de populações civis das cidades sob controle dos rebeldes? Seria o século XXI uma nova época em que, por princípios humanitários, estariam legitimadas intervenções para impedir sangrentas guerras civis?
Fonte: O Globo, 28/03/2011
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