A engrenagem administrativa da Nova República dá claros sinais de mau funcionamento. Há pouca técnica e uma extraordinária turbulência na condução de matérias essenciais ao interesse público. São pouco construtivas as frequentes guerras de ocupação de espaço político, como no caso de três ferozes disputas que ocorrem no momento. Todas disparadas e conduzidas de olho no calendário eleitoral de 2010.
A primeira eclodiu no Senado, com as denúncias de práticas inaceitáveis. Collor e Lula descreveram em termos extremamente ofensivos ao então presidente Sarney sua tolerância, em nome da governabilidade, com práticas que consideravam inadequadas. Parecem ambos mais tolerantes hoje. Seria melhor para o país se o atual clima de entendimento e compreensão mútua que desfrutam pudesse resultar em uma reforma política. Sabendo o que sabem hoje, reescreveriam para melhor suas biografias ante o julgamento da História.
A segunda disputa é uma guerra intestina na Receita Federal, com as digitais de sindicalismo e de facções partidárias. A hipertrofia e as disfunções de uma engrenagem que absorve 40% do PIB de uma economia de dimensões continentais revelam o superdimensionamento de suas estruturas administrativas. Da cúpula do Senado, com milhares de funcionários servindo 81 senadores, à própria complexidade da máquina de arrecadação da Receita. Os quadros técnicos de boa qualidade desta última deveriam estar formulando propostas de uma reforma tributária com simplificação de impostos, redução de alíquotas e ampliação da base de incidência.
Finalmente, uma terceira disputa, entre estados produtores de petróleo e a União, por recursos do pré-sal. Isso não é assunto para ser decidido num fim de semana pelo presidente e três governadores. Revela-se uma vez mais o vácuo na atuação do Congresso. A reforma fiscal, a descentralização de recursos e atribuições para estados e municípios e até mesmo a redistribuição da riqueza do pré-sal deveriam estar na pauta dos senadores e de seus assessores parlamentares, que são tantos.
São legítimas as aspirações de transformar a riqueza potencial do petróleo em uma oportunidade histórica de reduzir a pobreza por meio de investimentos maciços em educação. Trata-se de uma alquimia não apenas politicamente desejável, mas também economicamente viável. Faz sentido a conversão de recursos naturais exauríveis, responsáveis pela riqueza das nações no presente, em recursos humanos mais produtivos, fator crítico de sucesso na futura sociedade do conhecimento.
Mas é importante não colocar a carroça na frente dos bois. Em economia, a ordem dos fatores altera o produto. Serão necessárias centenas de bilhões de dólares em novos investimentos para extrair, transportar, refinar e distribuir o óleo recém-descoberto. Transformar essa riqueza potencial em educação exige muita técnica e nenhuma politicagem.
(O Globo – 31/08/2009)
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