O noticiário sobre as obras de mobilidade urbana e dos estádios das cidades-sede da Copa do Mundo é uma eloquente vitrine dos velhos problemas da nossa combalida rede de infraestrutura. Apesar dos planos de expansão anunciados para todos os modais de transporte, na área de ferrovias e portos, por exemplo, especialmente nas primeiras, o calendário de investimentos está totalmente travado. O plano de rodovias avançou um pouco, mas muitos problemas permanecem sem solução. Na área de aeroportos, boas novidades em matéria de realização começam a aparecer em um ou outro, com muito ainda que fazer. Dificilmente escaparemos de comentários depreciativos dos turistas estrangeiros que, em breve, encherão nossas cidades para as partidas de futebol de suas seleções. Que a oportunidade nos estimule a pressionar os governantes por soluções efetivas, e a discutir o tema em profundidade nos vários fóruns e meios de comunicação que existem no país.
Infraestrutura inclui também eletricidade, saneamento e telecomunicações. Desses itens, só o último tem estado sob menor tiroteio, embora ainda haja dúvidas, quando se consideram quesitos como o bom funcionamento da internet na área dos novos estádios. Saneamento é fonte antiga de dificuldades. Quanto à energia elétrica, parece que não aprendemos muito com a recente experiência de racionamento (2001). Conforme livro escrito com colegas, que acabo de lançar, analisando a difícil situação atual e cujo conteúdo pode ser baixado gratuitamente na minha página eletrônica (raulvelloso.com.br), o subtítulo resume o drama: “Tarifas de energia artificialmente baixas e excesso de intervenção estatal provocam ineficiência econômica e expansão inadequada do setor.”
Nesse segmento, as políticas erradas são abundantes. E, como os governantes resistem a enfrentar o desgaste político de ajustar preços para equacionar o descompasso entre demanda e oferta decorrente dos erros, a escassez segue se agravando, as reservas vão se esgotando e a conta a pagar mais adiante aumenta a cada dia. A dramaticidade do quadro, não reconhecida pelo governo, é tal que a probabilidade de um novo racionamento — e tudo de complicado que isso implica — é cada dia mais elevada.
Conforme discutido em outro livro, este sobre transportes e também disponível no mesmo endereço juntamente com outros textos sobre o tema, há, em primeiro lugar, um sério problema de gestão pública. Além disso, existe enorme escassez de recursos públicos para investimentos nessa área e, paradoxalmente, uma postura governamental antissetor privado na gestão das concessões de infraestrutura.
Começando pelos dados de investimento da União, se compararmos o orçamento do Ministério dos Transportes de 2003 com os da década de 70, a queda é brutal. Mesmo medido em porcentagem do PIB, o gasto de 2003 foi 30 vezes menor que o daquela época. De lá para cá tem havido recuperação, mas, no ano passado, representaram apenas 1% do total gasto pela União, sem incluir o serviço da dívida.
A escassez de recursos para transportes se deve à opção, sacramentada na Constituição de 1988, de destinar a maior parte dos recursos federais a pagamentos a pessoas, ou seja, a Previdência, assistência social e pessoal. Assim, mesmo tendo a carga tributária se elevado de forma acachapante nos últimos anos, os recursos destinados a esses três segmentos representam hoje nada menos que 75% do total. Adicionando os 8% da saúde, sobram 17% para o orçamento residual, onde os investimentos em transportes se referem a apenas 1% do gasto total.
Diante dessa opção raramente discutida por parte da sociedade brasileira nos vários canais existentes, inclusive para saber se seus efeitos estão efetivamente alcançando as camadas mais pobres da população, o governo deveria construir — e manter vivo — um adequado marco regulatório para atrair investimentos privados e suprir as lacunas que se criaram, sem falar no fim das violações de contratos. Infelizmente, não é bem o que tem ocorrido na prática.
Depois de um período inicial de esforços bem-sucedidos, é possível afirmar que, desde 2003, vive-se uma incompreensível reversão no processo de concessão à iniciativa privada do direito de atuar em várias etapas da infraestrutura. Isso choca quem analisa o assunto, pois, num quadro de escassez aguda de recursos públicos, seria melhor dar exatamente o contrário. Sem falar que, sob o modelo de bem-estar social seguido no Brasil, os gastos com essa área tendem a explodir nos próximos anos. Ou seja, a escassez de hoje se multiplicará em breve, se não forem postas em prática reformas que reduzam o crescimento do gasto público. Nesse contexto, é preciso enfrentar questões complexas como a introdução da idade mínima de aposentadoria pelo INSS, a extinção do abono salarial e a atenuação da absurda regra de ajuste do salário-mínimo, que é piso dos benefícios sociais, pela variação do PIB de dois anos atrás. O obstáculo é que, em ano de eleição, os políticos querem tudo, menos esse tipo de discussão.
Fonte: O Globo, 09/06/2014.
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