“História do Brasil com empreendedores” (Mameluco, 2009) de Jorge Caldeira.
O livro traz um foco inovador para a história do Brasil colonial: a figura do empreendedor. A partir dessa figura, busca explicar dados econômicos que vêm sendo levantados em pesquisas recentes, e que não se casam com as grandes explicações vigentes.
Que dados são esses? Indicadores segundo os quais a economia do Brasil colonial tinha uma dinâmica muito maior que a prevista pelos grandes modelos. Crescia a taxas superiores que a da economia metropolitana. Como resultado, em 1800 a economia brasileira era muito maior que a de Portugal.
O livro trata esse cenário de dois modos.
Em primeiro lugar, lida com a grande dominância do modelo do latifúndio agrário-exportador. Por esse modelo, a economia colonial brasileira teria sido organizada em grandes latifúndios, de modo a exportar matérias-primas a baixo preço e transferir riqueza para a Metrópole. Como resultado, o mercado interno seria mínimo e a sociedade, escravista.
Como a aceitação do modelo torna pouco crível o cenário de desenvolvimento, é feita uma análise em profundidade de seu núcleo central, a categoria latifúndio, para entender como ela gerou explicações nas quais o mercado interno era tão subavaliado.
Essa imersão traz resultados surpreendentes.
Existe uma imensa proximidade – que o texto mostra em detalhes – entre as versões do marxista Caio Prado Júnior e do conservador Oliveira Vianna para a ideia do latifúndio. Ambas influenciadas pela filosofia política do Antigo Regime, e ambas sem instrumentos para analisar trocas contratuais, as trocas entre pessoas livres que constituem o mercado.
A segunda parte do livro faz uma análise da formação do mercado interno, tendo como norte o estudo das trocas contratuais. E nela se revela que o mercado interno do Brasil colonial atingia todas as camadas sociais e etnias, desde os índios na floresta até os grandes comerciantes do litoral.
Mesmo em um cenário de falta aguda de capital, desde o século XVI foi possível montar uma rede de troca de mercadorias sofisticada para o tempo, graças ao envolvimento ativo dos tupis nessa rede.
A mistura de relações pessoais com trocas de mercadorias tornou essencial no Brasil a figura que queria enriquecer, não tinha dinheiro, mas tinha capacidade de organizar a produção e expandir o mercado: o empreendedor.
Figura central numa sociedade em que poucos homens livres tinham escravos (apenas 9% deles eram proprietários, no início do século XIX), e na qual formavam a maioria da população (62% do total, no mesmo momento), o empreendedor organizava trabalho e buscava enriquecer. Migrantes portugueses, índios livres, escravos libertos e filhos miscigenados compunham o grupo que, em todos os setores da economia, corria riscos, ganhava na forma de lucros. Crescia por si mesmo, porque o mercado crescia, e também porque não paravam de chegar novos empreendedores, que se fixavam na sociedade colonial por casamento.
Tendo esse grupo como base, é possível entender a montagem de uma economia dinâmica, mesmo numa realidade na qual o governo agia contra o desenvolvimento e a escravidão estava por todo lado. O empreendedor revela claramente o cenário de desenvolvimento que o modelo vigente é incapaz de descrever.
A partir daí, entende-se também o processo de acumulação de capital, o topo da sociedade formado pelos grandes traficantes de escravos brasileiros. Donos de fortunas gigantescas, capazes de controlar frotas navais significativas e toda a economia de boa parte da África. Ligados a uma rede interna de comerciantes que financiava o crescimento da economia colonial brasileira num ritmo próprio, cada vez mais intenso, superior ao metropolitano.
Todo esse conjunto é apresentado em linguagem clara, que torna a leitura imperdível.
Fonte: Assessoria.
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