“A nossa tragédia é que não temos um mínimo de autoestima”. Assim resumia de forma seca o escritor Nelson Rodrigues, aquilo que chamou de “complexo vira-lata” do povo brasileiro. Por que os brasileiros gostam tanto de depreciar sua própria história e cultura? Há motivos concretos para esta postura derrotista?
“História do Brasil vira-lata” (Casarão do Verbo, 2012), de Aurélio Schommer, representa um trabalho minucioso de pesquisa e reflexão para tentar responder estas questões. Nele, mitos são derrubados, sem, entretanto, cair no erro contrário de enaltecer uma realidade distorcida. A história da formação cultural brasileira é contada com riqueza de detalhes e casos específicos, que servem para ilustrar a mensagem do autor.
Interesses de grupos organizados e questões ideológicos representam grandes entraves a uma análise mais isenta de nosso passado. A visão idílica de “bom selvagem” que transforma os índios em mentecaptos indolentes, o racialismo que segrega a população de forma arbitrária, fechando os olhos para nossa mestiçagem, e a visão um tanto distorcida do valor dos portugueses que aqui chegaram em 1500, prejudicam um olhar imparcial sobre os fatos.
As características do brasileiro típico podem ser encaradas como negativas ou positivas, dependendo do ponto de vista. O brasileiro é amigável ou pacato? Ele é flexível ou acomodado? Tolerante ou preguiçoso? Muitos pensadores importantes depositaram no clima relevância enorme para definir os fatores culturais de um povo. Estaria o Brasil fadado então a este destino tropical de sombra e água fresca?
A Austrália, para ficar em um só exemplo, foi colônia de prisioneiros, e hoje é um país de primeiro mundo. Cultura evolui. Esta é uma das principais mensagens do livro. Hábitos e costumes mudam. O Brasil tem um passado com coisas boas e coisas ruins. Seus principais traços culturais apresentam um lado positivo e um lado negativo.
A interculturalidade, por exemplo, fruto do grande “melting pot” pacífico que é nosso país, pode ser um grande trunfo em um mundo com choque de etnias e religiões. A flexibilidade e o jogo de cintura podem ser formas adaptativas interessantes se não descambarem para a malandragem e o jeitinho.
O mais importante de tudo talvez seja justamente abandonar esta tradição autodepreciativa e passar a assumir a responsabilidade pelo nosso presente e futuro. Que país teremos 20 anos à frente? Que país nossos filhos e netos herdarão? Essa resposta depende apenas daquilo que vamos fazer, de nossas atitudes, e não de um apego excessivo às origens, em boa parte míticas, que servem como desculpa para nossa negligência diante de nosso destino.
Este livro funciona como um despertador para esta dura realidade. Não podemos nos escusar de nossos fracassos com base na eterna depreciação do povo brasileiro. Isso não é o mesmo que fechar os olhos para os problemas reais e abraçar um ufanismo boboca. Ao contrário: é preciso enxergar com clareza aonde residem os problemas, sem, entretanto, fechar os olhos para os acertos e qualidades.
Há muito que poderia ser mudado com boa educação e melhores oportunidades. O Brasil não está condenado, seja pelo clima, seja por suas raízes culturais, a ser o eterno país do futuro. A tarefa não será fácil. Por isso mesmo está na hora de arregaçar as mangas e começar um processo acelerado e sustentável de mudanças rumo ao progresso. Isso começa justamente por deixar de lado este discurso autodepreciativo, esse velho “complexo vira-lata” espalhado pelo povo brasileiro.
“Nenhum povo é incorrigível”, afirma o autor. Cultura não é algo fixo e imutável. Sem falar que temos sim aspectos culturais positivos, como fica claro no decorrer da leitura. Se o livro de Aurélio servir para resgatar esta herança positiva, derrubando certos mitos resistentes, e ainda jogar luz sobre os verdadeiros problemas que impedem um avanço cultural em nosso país, então ele terá cumprido sua função com maestria.
Prefácio de “História do Brasil vira-lata”, escrito por Rodrigo Constantino
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