Em 2014, o esgotamento do modelo voltado para o crescimento do consumo ficou óbvio. Dez anos antes, diante de uma razão crédito/PIB muito baixa, início do boom de commodities, alto grau de capacidade ociosa e situação fiscal confortável, foi fácil pisar no acelerador do orçamento público, abrir as portas para a entrada de recursos externos cada vez mais abundantes, e deixar os resultados favoráveis aparecerem. Logo em seguida, subiriam os salários reais e o emprego, e depois a razão investimento/PIB. Assim, a taxa média quinquenal de crescimento do PIB passou para cerca de 4,5%, com desempenho equilibrado nos três setores básicos da economia — agricultura, indústria e serviços.
Após a grande crise de 2008-2009, e apegado a um modelo voltado para agradar eleitores, insistiu-se na mesma receita, esquecendo de considerar tendências naturais desfavoráveis a seguir. Uma era a própria perda de força dos fatores de impulsão básicos — crédito, gasto público e boom externo. Outra era uma tendência à apreciação real da taxa de câmbio, que minaria a competitividade do setor menina dos olhos do governo — a indústria —, desestimulando investimentos e reduzindo sua participação no total da economia. O câmbio real se valorizaria porque, sem competidores externos, os preços de serviços tenderiam a subir relativamente aos da indústria, juntamente com os salários, sob a pressão derivada do forte e continuado crescimento do consumo.
O governo não quis esperar que o modelo fosse levado às últimas consequências, quando os déficits externos por ele gerados ficassem difíceis de financiar e ocorresse uma fase inversa de depreciação real da taxa de câmbio, melhorando a situação da indústria. Aceitando as pressões por medidas compensatórias, expandiu fortemente o crédito subsidiado via BNDES, estabeleceu desonerações tributárias e achatou artificialmente tarifas, como as de energia elétrica e petróleo, para baixar custos. Paralelamente, na contramão da reforma que deveria estar fazendo no modelo econômico, criou entraves à expansão das concessões de infraestrutura, impedindo uma maior expansão do setor de serviços que contrabalançaria o encolhimento da indústria. Sem entrar em maiores detalhes, as políticas compensatórias foram incapazes de reverter a caminhada rumo à queda da taxa de investimento e da produção industrial, e à estagnação econômica que hoje se vê. E, o que é pior, criou-se uma nova e grave crise fiscal, algo que deveria ser evitado.
[su_quote]O fato é que, fora do tema ajuste fiscal, a palavra de ordem é voltar a investir[/su_quote]
Assim, para o segundo mandato, antes de se voltar à tarefa de ajustar o modelo em favor do investimento, é preciso equacionar a nova crise fiscal, cuja elevada dimensão levaria naturalmente à perda da classificação de “grau de investimento”, conforme sinalizado pelo rebaixamento que a Standard & Poors já havia feito em 2014. Diante das graves consequências que a perda implicaria, o governo teve de priorizar o ajuste fiscal — cuja implementação está cada vez mais difícil — e deixar a eventual reforma do modelo econômico para depois, ficando o horizonte econômico, assim, meio obscuro nos anos logo à frente.
O fato é que, fora do tema ajuste fiscal, a palavra de ordem é voltar a investir. Aliás, até para o ajuste fiscal, pois, dada a rigidez extrema do gasto, se não houver investimento e maior crescimento do PIB — e, portanto, da arrecadação —, o ajuste vai para o vinagre. Do lado público, o investimento claudica porque, sem priorizá-lo, o governo deixou de investir há muito tempo. Já do lado privado, porque os investidores não se sentem animados a investir mais num país sem perspectivas claras de crescimento. Com o esgotamento das forças de impulsão do consumo, a indústria falida, os preços de commodities em queda no exterior e as possibilidades de investimento travadas na infraestrutura pela própria ação do governo, como apostar mais no Brasil?
Nesse contexto, investir em infraestrutura é a opção acertada. Quem pensa no futuro do país sabe que isso precisa ocorrer urgentemente. Há carências enormes, e, basicamente, não há como importar esses serviços do exterior. Recursos não faltam, especialmente no mundo de hoje inundado de poupanças em busca de rentabilidade. O governo até parece perceber tudo isso, pois vem lançando planos de inversão em logística de tempos em tempos.
Só que ele permanece preso a dilemas tipo “ser ou não ser” que têm caracterizado sua ação nessa área. Sabe que é preciso investir em infraestrutura, mas cria entraves ao processo de concessão. Continua insistindo em taxas de retorno irrealistas, dentro da visão populista de obter as menores tarifas imagináveis. Em vez de aliado, o setor privado é visto como aproveitador, dentro do viés estatizante que ainda habita mentes da cúpula governamental. Agora mesmo o governo está tentando atrair as empresas que atuam na área para os projetos do plano anunciado em junho. Só que, no que diz respeito aos contratos em andamento, vem tratando as mesmas empresas como se fossem adversárias. Vá entender…
Fonte: O Globo, 13/7/2015
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