A Espanha assumiu a presidência rotativa da União Europeia em janeiro de 2010 com o desafio de contribuir neste semestre na implementação com êxito do Tratado de Lisboa, que os chefes de Estado e de governo dos 27 países membros da União Européia aprovaram em 19 de outubro e assinaram em 13 de dezembro, no segundo semestre de 2007, quando Portugal estava na presidência rotativa da União Europeia. Após um longo e até certo ponto incerto processo de ratificação por todos os 27 países, o tratado entrou em vigor em 1o de dezembro de 2009 em cerimônia realizada em Lisboa. O Tratado de Lisboa, que altera os Tratados de Roma e de Maastricht, manteve a presidência por turnos semestrais por país, mas instituiu com um mandato de dois anos e meio o cargo de presidente do Conselho Europeu, que é ocupado pelo belga Herman van Rompuy. Ademais, o tratado estabeleceu o Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que agora está a cargo da britânica Catherine Ashton, e fortaleceu a atuação de parlamentares europeus. Assim, o espanhol José Luis Rodríguez Zapatero terá que trabalhar em conjunto com novas e poderosas lideranças, além de interagir com o português José Manuel Durão Barroso em um renovado mandato no importantíssimo cargo de presidente da Comissão Européia.
Nesta consolidação da União Europeia desempenham portanto um papel de destaque personalidades dos dois países ibéricos que entraram juntos em janeiro de 1986 na então Comunidade Econômica Europeia e que devido a circunstâncias históricas em 1580 ficaram unidos durante 60 anos. No início, aquela convivência foi aparentemente respeitosa. Todavia, a chamada União Ibérica chegou ao fim quando os portugueses se revoltaram contra a crescente e excessiva centralização dos monarcas castelhanos Filipe III e Filipe IV, que desrespeitaram portanto um juramento feito em Tomar em 1581 pelo Rei Filipe II, que prometera uma diferenciada autonomia política e administrativa ao Reino de Portugal. A revolta eclodiu em Lisboa em 1 de dezembro de 1640, quando D.João IV da Casa de Bragança passou a ser o Rei de Portugal e a data passou a ser conhecida como Dia da Restauração. Aquela data, que marcou uma ruptura ibérica e que definiu um feriado nacional em Portugal, agora pode vir a simbolizar o aprofundamento da União Europeia ao lembrar a entrada em vigor do Tratado de Lisboa.
Os fatos históricos citados acima devem ser recordados para que a União Europeia não venha a sofrer um desfecho similar àquele da União Ibérica. Para ser duradoura, a união dos países europeus deve promover a paz e a prosperidade, com respeito a todos e às diferenças. A aceitação de uma união resulta da constatação consciente ou não de que os benefícios trazidos pela integração superam as concessões.
É um desafio evitar uma concentração de poder que tente oprimir com violência culturas regionais, tal como ocorreu em 1640 em Portugal e também na Catalunha pelo poder altamente centralizado de outrora em Madrid. Por outro lado, é estimulante o anúncio do surgimento de uma das primeiras eurocidades europeias, envolvendo Chaves e Verín, na fronteira entre o Norte de Portugal e a Galícia. Em todo caso, é inevitável que o aprofundamento do relacionamento e do processo de miscigenação entre nações europeias acarrete a perda de algumas características típicas de identidades nacionais em prol do sentimento de “orgulho em ser europeu”.
O êxito da integração europeia não depende apenas de um elaborado e bem redigido tratado jurídico, motivado exclusivamente por interesses econômicos. É fundamental uma afinidade emocional. O processo de renúncia de alguns valores individuais em prol da assimilação de sentimentos coletivos demora, requer paciência e, quando há respeito mútuo, acarreta em geral, no fim, um bem-estar a todos. Identificam-se processos análogos entre funcionários que trabalham por muitos anos para uma mesma organização ou ainda entre cônjuges unidos por toda uma vida.
Fortalece a união dos países europeus o inédito reconhecimento pelo Tratado de Lisboa da possibilidade de um país membro sair da União, pois, ainda que não seja possível comprovar cientificamente, talvez nossa experiência de vida nos faça concordar com o pensamento externado pela personagem da atriz Demi More no filme “Proposta Indecente” de Adrian Lyne (EUA, 1993): “Se você quiser obstinadamente uma coisa, deixe-a livre. Se voltar para você, é sua para sempre. Caso contrário, nunca foi sua desde o início”.
(“Jornal do Commercio” – 19/01/2010)
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