Em abril de 1817, o inglês David Ricardo apresentou uma ideia simples e de enorme poder explicativo, uma das teorias mais elegantes da história da economia. A chave da prosperidade, disse ele, é apostar na vantagem comparativa. Se os países se especializarem no que fazem melhor e depois trocarem o resultado entre si, todos prosperam.
Naquela época, como ainda hoje, enxergava-se a economia como um jogo em que se um ganha, o outro perde. David Ricardo mostrou que o comércio opera uma mágica em que todos saem melhor do que entraram. É um jogo de soma diferente de zero. Palmeiras e Corinthians jogam. E os dois ganham.
Se escoceses produzem uísque com mais facilidade e franceses precisam de menos trabalho para fabricar vinho, não vale a pena existir vinícolas na Escócia ou destilarias na França. É melhor que os dois países se concentrem em suas especialidades e depois troquem os produtos entre si. Certamente haverá consequências negativas (como o desemprego causado pelo fechamento de vinícolas na Escócia), mas no longo prazo todos se dão bem com a especialização e o intercâmbio.
David Ricardo acreditava que essa regra valia tanto para nações quanto para indivíduos. Eu me concentro no que faço melhor (no caso, irritar professores de história); você foca no que faz com menor custo de oportunidade; depois trocamos o resultado e a vida fica mais fácil para todos (com exceção, talvez, de alguns professores de história).
As vantagens da especialização e troca já foram provadas em jogos de economia experimental. Uma pesquisa da Universidade George Mason ofereceu dinheiro para voluntários participarem de um jogo em que tinham de produzir conjuntos de peças vermelhas e azuis. Ganhava mais quem conseguisse montar mais conjuntos de peças numa proporção estabelecida pelos pesquisadores — por exemplo, uma peça vermelha para três azuis. Os voluntários podiam ver, na tela do computador, quantas peças azuis e vermelhas outros jogadores produziam. Também podiam conversar e transferir peças entre si. Eles não sabiam que o programa fazia que produzissem algumas peças com mais facilidade — mas nem sempre eram as peças de que mais precisavam. Diante dessa vantagem comparativa, surgiram espontaneamente diálogos assim:
— Bem que você poderia me dar algumas peças.
— Aham.
— Olha só, eu faço azuis mais fácil, qual cor você faz mais rápido?
— Vermelho.
— Haha, legal.
— Hehe.
— Beleza. Vou fazer só azuis e você só vermelhas. Daí mandamos pra casa de cada um.
— Ok, 100% vermelho
— Ok, 100% azul.
Quem insistiu na autossuficiência —e montou sozinho as bolas azuis e vermelhas— levou no máximo 30 centavos por fase do jogo. Já quem optou pelo comércio ganhou três vezes mais.
O diabo é que ainda hoje políticos e intelectuais resistem a concordar com Ricardo. Num belo ensaio de 1996, Paul Krugman compara a teoria de Ricardo com a seleção natural de Darwin. São duas teorias magníficas que enfrentam uma resistência irracional. “Por que jornalistas com reputação de grandes pensadores sobre temas mundiais torcem o nariz se você tenta explicar a eles como o comércio leva à especialização mutuamente benéfica?”, diz Krugman com certa desolação.
No Brasil, tanto a esquerda quanto a direita torceram o nariz para o livre comércio. Nos anos 1960, intelectuais da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) requentaram o argumento do século 19 de que era preciso proteger a “indústria infante” até ela amadurecer. A ditadura militar criou o famigerado “anexo C da Cacex”, a lista de produtos cuja importação era proibida. Lula e Dilma aumentaram barreiras a importados e estabeleceram cotas de produtos nacionais. O resultado foi sempre o mesmo: a proteção transformou a indústria infante num adulto mimado, incapaz de competir com outros países.
Nos Estados Unidos, a resistência ao livre comércio também ultrapassa barreiras ideológicas. A esquerda americana acusa empresas de explorar trabalho barato em outros países; Trump ganhou a eleição dizendo que a China rouba empregos e prometendo acabar com a Parceria Transpacífico. Infelizmente não estamos num bom momento para comemorar os 200 anos da teoria genial de David Ricardo.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 12 de abril de 2017.
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