Indivíduos possuem modelos mentais ou crenças que servem como mapas cognitivos acerca do funcionamento da sociedade. Essas crenças têm a capacidade de afetar as instituições e os resultados de políticas que são implementadas, como também o comportamento dos atores políticos. Nas últimas três décadas, duas crenças dominantes têm emergido e impactado o conjunto de escolhas institucionais e de políticas no Brasil.
A primeira é a da inclusão social, que surgiu como uma reação às desigualdades e às injustiças do período militar. A partir da redemocratização, houve uma mudança no contrato social, com aumentos do gasto público e da carga tributária para prover serviços públicos inclusivos.
A segunda crença é a da necessidade de equilíbrio macroeconômico e crescimento, que surgiu da aversão à hiperinflação, decorrente da experiência dos seguidos anos de descontrole de preços, estabilizada com o Plano Real.
Essas duas crenças, aparentemente contraditórias, são complementares. Por um lado, cidadãos se importam com controle inflacionário, crescimento econômico, desemprego e contas públicas. Por outro lado, querem continuar partilhando do aparato de proteção social que vem sendo implantado. Assim, o país tem conseguido alcançar um equilíbrio menos desigual e com maior redistribuição.
O gráfico ao lado traduz a transformação de crenças do brasileiro e contém as respostas sobre a quem deveria ser atribuída a responsabilidade pelo provimento das necessidades dos indivíduos: se o governo ou se os próprios indivíduos. Além disso, contém a variação de crença em relação à satisfação dos indivíduos a respeito do sistema econômico. Foram acrescentados dados correspondentes à popularidade presidencial durante o período.
O papel do indivíduo era visto como preponderante durante a década de 90 e, conforme a democracia foi se consolidando em um ambiente de estabilidade macroeconômica, a sociedade foi reconhecendo o papel do governo como o provedor da inclusão e o agente capaz de propiciar instrumentos de proteção social.
A tendência linear da popularidade do presidente é correlacionada à crença dos brasileiros de que o governo deveria assumir maiores responsabilidades sobre suas vidas.
Desde 2013, entretanto, a popularidade da presidente Dilma Rousseff vem despencando, ainda que a crença na inclusão social, sinalizada na crescente responsabilização do governo sobre o bem-estar dos indivíduos, continue a crescer.
Esse fato pode ser interpretado como consequência da perda do controle da inflação e da desaceleração econômica recente. O gráfico mostra que a insatisfação com o sistema econômico, que era muito alta no início da década de 1990, diminui nos anos subsequentes ao Plano Real. Tal movimento, entretanto, é revertido no governo Dilma, com o aumento da crença de que há problemas na economia.
O preço desse desvio pode custar à presidente a sua reeleição, pois a inclusão que o governo implementa não tem sido acompanhada do outro pilar que o eleitor brasileiro mediano também crê como basilar.
Por outro lado, como em 2002, quando o então candidato Lula assinou a “Carta aos Brasileiros”, sinalizando que a alternância no poder não traria riscos ao equilíbrio macroeconômico, Aécio Neves fez gesto semelhante, se comprometendo com a manutenção dos programas de proteção e inclusão social.
Embora aparentemente adversas, essas duas crenças são complementares. O insucesso na oferta de equilíbrio macroeconômico leva à impopularidade do presidente, mesmo que este continue a ofertar inclusão; mas o inverso também é verdadeiro. Não são mais admissíveis controle inflacionário e crescimento econômico que impliquem retrocesso nas políticas de inclusão.
Assim, não basta realizar apenas uma dessas tarefas. Para o brasileiro, o bom governo é o que inclui e faz crescer o país ao mesmo tempo.
Fonte: Folha de S.Paulo, 21/10/2014.
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