Tereza, na gíria dos presídios, é uma corda improvisada, feita com lençóis amarrados e usada em tentativas de fuga. Desde o ano passado, Tereza também é o nome de uma iniciativa que garante a detentas e ex-detentas a possibilidade de dar os primeiros passos no universo do empreendedorismo. E a chance de ter uma atividade remunerada na prisão e fora dela também.
A marca Tereza, lançada em outubro, é uma iniciativa do Instituto Humanitas 360 (H360), fundado há quatro anos para desenvolver ações relacionadas à segurança pública e ao estímulo à cidadania. “Além de resolver os problemas sociais, é preciso engajar as populações afetadas na solução dos problemas. Esse é o conceito do empreendedorismo cívico-social”, diz Ricardo Anderáos, vice-presidente de Operações do H360.
Exemplos de trabalho no cárcere não são novidade no Brasil. A aposta do H360, entretanto, foi em outra direção: formar cooperativas de trabalho. “Além de ocupação e renda, a cooperativa permite que o detento seja o dono do próprio negócio”, diz Anderáos.
Mais sobre empreendedorismo
Como lidar com a invasão da inteligência artificial
Startups vão mudar a forma que você compra, aluga ou reforma a sua casa
Empresa brasileira cria robô que busca empréstimos com taxas mais baixas
Para garantir a perenidade da iniciativa mesmo em caso de troca das direções das prisões, o H360 fechou parceria com diversas instituições públicas, a exemplo da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, e escolheu a região do Vale do Paraíba (SP) para tirar o projeto do papel. O piloto teve início em uma prisão de segurança máxima em março de 2018, a Penitenciária Feminina II de Tremembé.
Atuando como uma incubadora de startups formadas na prisão, o H360 investiu R$ 1 milhão em equipamentos, modelo de negócios e capacitação de 33 mulheres. A formação da primeira cooperativa de artesanato, batizada Lili, contou com três meses de oficinas do designer e tecelão Renato Imbroisi, especializado na criação de produtos artesanais em comunidades no Brasil e na África.
As cooperadas codesenvolvem e manufaturam os produtos e administram o negócio, inclusive após a saída da prisão. Das 33 cooperadas da Lili, 29 estão em regime fechado, três no semiaberto e uma já está em liberdade. Natural de Cruzeiro (SP), Glaucia Lima Thomaz, 41, foi sentenciada a seis anos e nove meses por tráfico de drogas. Após cumprir a pena, voltou à cidade natal e continua trabalhando para a cooperativa. “Trabalho de casa, fazendo crochê e costurando. Tenho contato frequente com a equipe do H360 e cumpro metas. Isso é ressocializar de verdade”, diz.
Produtos como colchas, bolsas e almofadas são voltados às classes A e B, com preços de R$ 40 a R$ 4,5 mil — 100% da renda retorna para as cooperadas. “A ideia é ter produtos de alto valor agregado. Ao mirar um público de elite e formador de opinião, você começa a mudar a cabeça da sociedade em relação à questão prisional, ajuda a quebrar preconceitos”, diz Anderáos. Para a comercialização, foi criado um guarda-chuva para abrigar os produtos da Lili e das demais cooperativas que surgirão: a marca Tereza (www.tereza.org.br).
Para cada produto à venda há a história de uma artesã, com situações de violência, pobreza e envolvimento com crime. “Quando eu achava que estava tudo acabado, que nunca seria uma mãe digna, tive essa rica oportunidade de me tornar uma cooperada. Descobri um novo talento dentro de mim, e que, nesse lixo que é a cadeia, pode nascer não só uma flor, mas um jardim inteiro”, é o relato de Tânia Rodrigues Corrêa, 34.
Este ano, a Lili deverá chegar a cem cooperadas. Em abril, outra cooperativa apoiada pelo H360, formada na Penitenciária Masculina II de Tremembé, deverá começar a vender alimentos orgânicos sob a marca Tereza. O passo seguinte é disseminar o projeto no país. “Assinamos um termo de parceria com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, uma vez que o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] quer multiplicar a experiência e montar uma cooperativa em cada estado brasileiro nos próximos dois anos”, diz Anderáos.
Trabalho de responsa
Conseguir uma oportunidade no mercado de trabalho é fundamental para combater a reincidência criminal. Mas, por conta do preconceito, pessoas com antecedentes criminais enfrentam muitos desafios para encontrar um emprego. Pensando em derrubar esses obstáculos, a ex-detenta Karine da Silva, 37 anos, criou, em novembro de 2017, o Instituto Responsa, uma agência de empregos focada em recrutamento, seleção, avaliação e capacitação dos candidatos. O instituto auxilia na ponte com as empresas, na elaboração do currículo e no preparo para as entrevistas. Em 2018, a agência recolocou 25 pessoas em regime CLT (e contratos de trabalho) e cem em vagas temporárias, em nove empresas. “A meta para 2019 é dobrar os números”, diz Karine.
A referência
Considerada a primeira iniciativa do tipo com detentas no Brasil, a Cooperativa Social de Trabalho Arte Feminina Empreendedora (Coostafe) foi criada no Centro de Reeducação Feminino (CRF), em Ananindeua, no Pará, no final de 2013. Mais de 250 internas já foram beneficiadas, e produtos como toalhas e almofadas de crochê são vendidos em feiras locais, estandes em supermercados e no Instagram. A cooperativa serviu de referência para o projeto do H360 e a expectativa é que, em abril deste ano, alguns dos produtos sejam comercializados no e-commerce Tereza. “O objetivo, desde sempre, foi capacitar as detentas e torná-las empreendedoras, já que conseguir emprego é muito difícil para elas”, diz Carmen Botelho, 45, diretora do CRF e idealizadora da iniciativa.
Fonte: “Revista PEGN”