Vamos deixar de lado a privatização da Petrobras. Só o pastor Everaldo defendeu a tese e ele tem 1% nas pesquisas de intenção de voto. Se quase ninguém acha viável essa ideia, não convém perder tempo com ela, ao menos por ora. Mas há uma questão inadiável: como dirigir uma estatal desse tamanho?
Reparem no nome: é estatal, não governamental. Faz diferença. Governos mudam a cada quatro anos, o Estado é sempre o mesmo. Se aceita a preliminar de que o Estado brasileiro deve ter uma companhia de petróleo, não decorre daí que o governo de plantão pode administrá-la como bem entender.
Sim, o governante é eleito pelo povo para aplicar determinado programa político. Mas assim como esse programa não pode, por exemplo, estatizar a imprensa, também o governo eleito, o Executivo, não pode, pelo outro lado, decidir vender a Petrobras.
O monopólio do petróleo, que é da União, está na Constituição. A Petrobras foi criada por lei do Congresso Nacional como um estatal no ramo do petróleo, mas não é mais a titular do monopólio. Perdeu essa condição por uma emenda constitucional votada em 1997.
Eis um ponto curioso, portanto: o Congresso pode, mediante emenda constitucional, abolir o monopólio do petróleo e manter a Petrobras como estatal operante. Ou o contrário: pode fechar a Petrobras e manter o monopólio, contratando outras empresas para extrair o óleo.
Nada disso está na pauta, mas um dia estará. De todo modo, para qualquer lado que se vá, trata-se de questão estratégica, a ser decidida por ampla maioria do Congresso Nacional. São objetivos do Estado brasileiro, não do governo deste ou daquele partido.
Por isso, a Constituição e as leis precisam proteger o Estado da ação de maus governos. Há governos incompetentes e mal intencionados, não é mesmo?
Além disso, o bom senso sugere que administrar uma multinacional de petróleo, seja privada ou estatal, não é coisa para amadores. Como se faz no mundo privado? Os donos, os controladores da companhia estão no conselho de administração (ou de diretores) e daí definem os objetivos estratégicos. E contratam no mercado os executivos que vão tocar o negócio, segundos os parâmetros definidos pelo conselho.
Em tese, é isso que acontece com a Petrobras. O governo eleito, representando a União, a controladora, nomeia membros para o conselho de administração. E este escolhe os diretores executivos.
Mas algo, evidentemente, saiu muito errado nos últimos anos. Não é possível que uma companhia séria cometa tantos erros e perca tanto dinheiro em tantos negócios mal feitos.
A origem do problema é uma perversa combinação de fisiologismo com ideologia. Fisiologia, como se dizia antigamente, é a ação dos partidos que se apropriam do aparelho do Estado para beneficiar os correligionários, amigos e apoiadores com cargos e/ou negócios. Governar é nomear e demitir — ainda se diz por aí.
A ideologia, no caso, é a de esquerda, que considera essencial o controle das estatais para, digamos, colocá-las “a serviço do povo”.
Juntem esses partidos e dá na Petrobras de hoje. Lula, quando presidente, mandou a Petrobras construir muitas refinarias, considerando isso um objetivo estratégico. E a construção dessas magníficas obras caiu nas mãos, quer dizer, nos bolsos do pessoal da fisiologia.
Errado duas vezes. A companhia não tinha capacidade financeira nem operacional para tocar tanta coisa ao mesmo tempo, mesmo que não houvesse erros técnicos e desvio de verbas.
Como proteger a Petrobras desses malfeitos? Controle mais rígido das decisões do conselho de administração, nomeação obrigatória de conselheiros representantes do Congresso, por exemplo, e de executivos de fora do governo, todos com responsabilidades definidas, além regras de gestão, inclusive para contratação dos executivos. Um presidente contratado no mercado internacional, com mandato, não seria mais eficiente para tocar os objetivos definidos pelo Estado?
Em resumo, regras formais de governança e controle externo. A empresa terá objetivos estratégicos definidos politicamente. Mas a gestão deve ser independente dos interesses partidários do governo de plantão.
Vale também para o Banco Central. O objetivo, controlar a inflação, sustentar crescimento, deve ser fixado no âmbito político. A gestão, independente, do governo e dos interesses privados e partidários.
O Banco Central da Inglaterra contratou seu presidente, o canadense Mark Carney, numa seleção internacional. Publicou edital definindo as competências e recebeu inscrições.
E podem reparar: onde há inflação controlada, melhor desempenho econômico e, sobretudo, juros menores, há um banco central independente, do governo.
Fonte: O Globo, 11/09/2014
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