A tentativa de impor tarifas artificialmente baixas e o excesso de interferência estatal vêm provocando um preocupante desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado de energia elétrica. Daí até o pibinho é apenas um passo, agravando a difícil situação em que nos encontramos há quase três anos e meio. Breve disponibilizarei em minha página eletrônica (raulvelloso.com.br) livro sobre a crise, que vou apresentar no dia 12 de maio, no Fórum Nacional, abordando uma das principais facetas do modelo intervencionista em vigor no Brasil.
Há cerca de um ano e meio, seduzido pela possibilidade de pôr em prática uma redução média de 20% na tarifa paga pelo consumidor final no mercado regulado, o governo ofereceu às usinas hidrelétricas a renovação antecipada de suas concessões, em troca de uma redução média de 70% em seus preços. A presunção era que, tratando-se de usinas mais antigas, as despesas de capital já estariam praticamente amortizadas, mas da teoria à prática há uma grande distância.
Diante de condições consideradas inaceitáveis, três concessionárias de peso decidiram recusar a proposta. Além disso, alguns empreendimentos que deveriam estar gerando energia desde 2012 nunca saíram do papel. Some-se também a falta de chuvas em 2013, que levou à necessidade de acionar geradoras de origem térmica, provocando significativo aumento de custos. Para cobrir o buraco resultante, o governo teria emprestado, em 2013, cerca de R$ 10 bilhões às distribuidoras, segundo a consultoria PSR, a serem pagos pelo consumidor em cinco anos, a partir de 2014. Só que o início do pagamento dessa fatura foi adiado para 2015, provavelmente pelo temor de desgaste político num ano de eleições.
Para completar o quadro, ao fim de 2013, as distribuidoras teriam de recontratar energia em função do vencimento de contratos firmados em 2004. Tratava-se, pois, de um problema com data certa para ser resolvido. No entanto, o governo não conseguiu viabilizar leilões em quantidade suficiente para garantir a recontratação da energia vincenda. A consequência foi a expressiva descontratação de 3.700 MW de energia, que as distribuidoras tiveram (e ainda têm) de ir buscar no mercado spot diariamente, a um custo que, atualmente, é de R$ 822/MWh, muito acima dos cerca de R$ 100 que vigiam nos contratos.
É óbvio que as distribuidoras não têm condições de suportar essa dupla adversidade — falta de contratos de energia para suprir seu mercado e preço spot nas alturas. Ou seja, o governo deixou de atacar o cerne do problema, permitindo um reajuste realista de tarifas, para buscar soluções heterodoxas, que não só não resolvem o problema (exceto no curtíssimo prazo) como o amplificam.
A ideia “criativa” divulgada mais recentemente consiste na formação de um pool de bancos públicos e privados para financiar o rombo das distribuidoras, hoje previsto em R$ 10,8 bilhões, mas que pode chegar, segundo consta, a R$ 25 bilhões. Na essência, essa proposta obriga os consumidores de energia a se endividarem, pagando juros que, mais cedo ou mais tarde, serão incorporados à conta de energia, a fim de evitar um desgaste inconveniente a um governo que busca freneticamente sua reeleição. Em adição, com a negativa do reajuste de tarifas de acordo com o aumento de custos, deixam de ser gerados os incentivos corretos para a indispensável redução da demanda no montante necessário para o reequilíbrio com a oferta, aumentando a probabilidade de um cenário com racionamento.
O fato é que as autoridades não parecem acreditar nas sinalizações que o sistema de preços proporciona, contrariando séculos de experiência e a consolidação do mercado como a melhor solução para reger as relações econômicas de qualquer país. Por isso, ou pela mera busca de ganhos eleitorais, as recentes intervenções no domínio econômico podem conduzir o Brasil a uma situação de permanente baixo crescimento. A verdade é que a política econômica praticada nos últimos tempos perdeu funcionalidade, fixando-se em tentar resolver problemas por ela mesma criados.
A lista não é exaustiva, mas, em vez de usar os tradicionais instrumentos da política monetária, o governo optou por controlar a inflação via preços administrados, como os da gasolina e da própria energia elétrica, deixando que a bomba estoure depois. Daí a brutal redução na capacidade de investimento da Petrobras, da Eletrobras e das demais empresas do setor elétrico, além da piora das expectativas dos agentes econômicos em relação à atuação da política monetária.
Em vez de reduzir o excesso de demanda doméstica para impedir a apreciação do câmbio real, o governo tenta garantir a competitividade de nossa indústria. Elege alguns setores para se beneficiarem de desonerações tributárias e de crédito subsidiado do BNDES, e assim contribui para deteriorar a situação fiscal e gerar incertezas na condução da política macroeconômica. Em vez de estabelecer uma política que estimule a formação de poupança doméstica, amplifica os programas de transferência de renda e estimula o crédito ao consumidor.
Fonte: O Globo, 14/04/2014
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