É ainda comum no debate atual a polarização entre aqueles que defendem as virtudes do mercado financeiro e aqueles que alardeiam os seus vícios. O mercado seria, para estes, o palco de investidores ávidos por lucro e sem qualquer preocupação com as implicações éticas e sociais de suas escolhas. Uma imagem, aliás, frequentemente retratada por Hollywood, como bem ilustra o último filme de Scorsese. Mas esse debate passa ao largo de uma tendência muito peculiar nos últimos anos: a emergência dos chamados “investidores de impacto”. São investidores que buscam canalizar recursos para empreendedores interessados em conciliar retorno financeiro e impacto socioambiental. Alguns desses investidores até aceitam um menor retorno financeiro, desde que seja comprovado substancial impacto.
Segundo relatório recente do World Economic Forum, até 2020 devem ser alocados cerca de US$ 500 bilhões para esses investimentos. O J. P. Morgan chegou até a identificar os investimentos de impacto como uma nova “classe de ativos”: um produto novo na prateleira dos bancos e fundos destinado a investidores mais sensíveis a causas sociais. Mas até mesmo empresas e fundos sem missão específica socioambiental começam a ter interesse numa avaliação mais precisa do impacto de seus projetos.
Grosso modo, é possível diferenciar os projetos-alvo dos investidores de impacto como sendo de dois tipos. O primeiro envolve situações em que naturalmente é possível conciliar lucro e impacto. Por exemplo, as chamadas estratégias “para a base da pirâmide”. A tese é simples: comunidades menos favorecidas, em geral, têm relativamente menos acesso a bons produtos e serviços de baixo custo. Empresas que consigam trazer soluções inovadoras para essas comunidades poderiam a princípio ter sucesso comercial e, ao mesmo tempo, gerar impacto.
Nem sempre é fácil, entretanto, conciliar retorno e impacto. Por exemplo, projetos de educação destinados a alunos de baixa renda, especialmente em fases muito iniciais de aprendizagem, têm efeito no longo prazo e requerem gastos substanciais com bolsas e outros tipos de apoio aos alunos. Prisões, outra área muito carente no Brasil, são outro exemplo. Os prisioneiros não pagam pelo “serviço” recebido e, sem os devidos cuidados, operadores privados podem querer reduzir custos na operação em detrimento de dimensões importantes de qualidade.
Não à toa, neste segundo caso muitas vezes os governos têm entrado como importantes parceiros dos investidores de impacto. As chamadas social impact bonds, criadas no Reino Unido em 2009, envolvem um mecanismo em que os investidores são remunerados com base no impacto social efetivamente medido. Está em andamento um projeto-piloto justamente com prisões. O indicador de impacto escolhido foi o grau com que o projeto consegue reduzir a reincidência criminal dos presos. A medição se dá como num experimento: a prisão recebendo o investimento (tratada) é comparada a prisões sem o investimento (controle). Havendo redução relativa de reincidência, o governo consegue economizar com a manutenção dos presos e divide parte dessa economia com os investidores.
Medição de impacto, em particular, tem sido um grande desafio para esse tipo de investimento. Existem instrumentos de medição mais genéricos, mas de mais fácil uso (como o chamado GIIRS), e metodologias mais rigorosas, porém mais caras (caso das social bonds, que usam medições mais específicas com tratamento e controle). Esses instrumentos ainda estão sendo discutidos e refinados. Há, aqui, um dilema entre custo e precisão da medida.
Ainda assim, a ênfase em medição tem ajudado a sedimentar uma cultura de mais rigor na avaliação do efeito socioambiental de projetos, além de estimular o surgimento de contratos cuja remuneração varia em função do impacto aferido. E, não menos importante, mostra que o mercado financeiro, ou ao menos parte dele, pode colaborar de forma muito positiva com interessantes inovações no campo social.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 30/01/2014
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