O governo do presidente Jair Bolsonaro tem pelo menos duas vantagens indiscutíveis. A primeira foi ter derrotado o PT, e as seitas de esquerda dedicadas a seu serviço, nas eleições de 2018. É uma tarefa em que os duques e arquiduques da política “civilizada” e de “centro” falharam miseravelmente durante 16 anos seguidos – conseguiram perder da dupla Lula-Dilma nada menos do que quatro eleições presidenciais consecutivas, uma depois da outra.
A segunda é a sua capacidade de se arrepender antes de cometer o pecado. A grande realização de Bolsonaro, aí, foi ter desistido, após meses de insistência, de nomear um dos seus filhos para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos; só Deus sabe quanta dor de cabeça ele evitou, com isso, para o Brasil, para o filho e para si próprio.
Não é qualquer um que consegue uma vitória dessas; presidente, como se sabe, é bicho teimoso – e, uma vez que enfia de verdade o pé na jaca, é capaz de fazer os piores esforços para não tirar. Bolsonaro foi bem, de novo, quando demitiu no ato o secretário de Cultura que havia acabado de nomear, quando o cidadão achou uma boa ideia incluir no seu plano de gestão um mandamento que copiou da tumultuada agenda mental do dr. Joseph Goebbels, ministro de Propaganda da Alemanha nazista.
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À essa altura? (Herr Goebbels é o tipo do sujeito que muitos governantes admiram em segredo, e tentam imitar – mas não é alguém para se apresentar aos amigos no clube, nem para ser citado em vídeos de teor educativo.) Antes de errar em alguma tentativa desvairada de salvar o secretário, o presidente achou melhor lhe mostrar a serventia da casa.
Eis aí, mais uma vez, Bolsonaro à frente de uma jaca realmente cinco estrelas – a ressurreição súbita do “Ministério da Segurança Pública”, que foi inventado por Michel Temer com a amputação de funções do Ministério da Justiça, não serviu para nada de útil e foi juntado de novo com a Justiça quando Bolsonaro assumiu o governo. Ele não tinha se comprometido a diminuir o número de ministérios?
Pois então: aí estava uma bela chance de dizer que tinha cortado um ministério sem cortar nada para valer, já que estava apenas unindo de novo o que o seu antecessor tinha separado. Por que, agora, fazer uma segunda separação? A junção não serviu para fazer Sérgio Moro mais forte, pois apenas fez uma prótese do que havia sido amputado. Mas a separação, pela segunda vez, iria servir, sim, para castigar o ministro da Justiça.
Por que raios fazer uma coisa dessas? Apareceu uma história de que “secretários de Segurança estaduais” estariam pedindo a mudança; Moro, em sua opinião, atrapalha a “luta contra o crime”. É mesmo? Atrapalha em quê? Em quais casos concretos isso aconteceu? Quando? Onde? Com quem? O que se sabe é que nos nove primeiros meses de 2019 os homicídios caíram mais de 20% no Brasil. Os chefes do PCC, até então intocáveis, perderam o direito de escolher em qual penitenciária iriam cumprir suas penas. Houve recordes na apreensão de drogas, armas e produtos de contrabando.
Há, com certeza, gente querendo o novo cargo – grosseiramente, sem a menor preocupação de disfarçar. Há, com a mesma certeza, incômodo no palanque das autoridades com o combate mais duro ao crime. E há um presidente da República que, em vez de ficar feliz com a boa imagem de seus ministros, fica injuriado com eles. O que não há, de jeito nenhum, é a vontade de melhorar alguma coisa. São as condições perfeitas para construir um desastre. Bolsonaro vai ter, mais uma vez, de apostar no seu instinto para saltar do barco antes que ele afunde.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 26/1/2020
Foto: Divulgação